quinta-feira, 13 de junho de 2024

Elma e o relógio

    

        Elma parou diante daquela preciosidade dourada, que reluzia ao menor facho de luz que entrava pelas frestas espremidas da cortina. Era o detalhe que faltava para realçar o pulso delicado, mas firme de mulher decidida a tomar as rédeas da vida. Parou em frente ao amplo espelho do quarto, quando ouviu a voz de Leandro, o marido.

          — Amor, já estamos atrasados.

          — Cinco minutinhos.

          O homem, apesar de impaciente, sabia que não teria chance em contenda contra a esposa. Professor de português que era, sabia que os tais cinco minutos era o mais descarado dos eufemismos. Que esperasse sem reclamar. É sina de marido que aprecia paz.

          — Como estou?

          — Linda!

          — Hum. 

          — Podemos ir?

          A mulher enlaçou o braço do marido e saíram. Apesar da distância até o local do evento ser de menos de um quilômetro, não era de bom-tom irem a pé, ainda mais quando se está em trajes de gala. O local era concorrido, o que fez com que o percurso durasse mais de meia hora. Assim que Leandro estacionou, entregou as chaves do veículo para um dos funcionários do local.

          O casal, mal entrou no recinto, foi cumprimentado por alguns conhecidos. Norma, esposa do Aristides, foi a primeira a notar o belo relógio de Elma.

          — Amiga, que preciosidade é essa?

          — Um mimo que o Leandro me deu no nosso último aniversário de casamento.

          — Aristides, você precisa aprender com o Leandro. Por que você nunca me deu um relógio?

          — Ué, pra quê? Você nunca olha as horas mesmo.

          Por impulso ou curiosidade, Elma olhou discretamente para o seu pulso esquerdo para saber as horas. Os ponteiros marcavam 3h25, quando era óbvio que já passava das 10h. Pior, os ponteiros não se mexiam. A mulher, impaciente, deu dois discretos piparotes no relógio, mas nada dele funcionar. Pensou até em guardá-lo na bolsa na primeira oportunidade. Todavia, o danado era tão lindo e, ainda por cima, completava o visual. 

          Na primeira oportunidade, Elma perguntou as horas para o marido. Tratou de acertar os ponteiros e, em seguida, deu umas sacudidelas no pulso. Nenhum movimento dos ponteiros. Ela, finalmente, confidenciou para o esposo.

          — Meu bem, a bateria acabou.

          — Bateria? Que bateria?

          — A bateria do relógio.

          — Elma, esse relógio é de corda.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Elma e o relógio" foi publicado por Notibras no dia 13/6/2024.
  • https://www.notibras.com/site/bateria-no-fim-que-nada-nem-tic-tac-e-de-graca/

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