segunda-feira, 24 de junho de 2024

Os enxaquecosos

    

         Nós, os enxaquecosos, sofremos horrores, muitas vezes por mais de 72 horas seguidas. E não sei qual é o seu gatilho, mas o meu é o álcool. Todavia, não quando bebo um copo ou dois. No meu caso, preciso de certo exagero, coisa que raramente acontece. 

          José, meu marido, talvez por conta dos genes herdados da mãe, também padece dos males da enxaqueca. Entretanto, é por conta da intolerância à lactose. O problema é que o danado adora queijos finos, que são muito caros para o nosso parco orçamento, ainda mais os sem lactose. 

          Pois bem, meu esposo gosta de dizer que o sujeito nem precisa ter muito dinheiro, desde que possua amizades endinheiradas. Também não é o nosso caso, pois os que nos cercam são tão ou mais pobres. Mas eis que, por conta de um acaso, José, que é entregador, foi levar algumas caixas para uma festa na parte mais rica da nossa cidade. 

          O meu cônjuge estacionou o veículo de ré para facilitar a retirada dos volumes. Nem precisou fazer força, pois dois empregados da residência carregaram todas as caixas. E, quando o José já estava de saída, um homem, que pareceu ser o proprietário do lugar, gritou.

          Meu marido, imaginando que talvez não tivessem retirado todas as caixas, freou. No entanto, antes de descer do veículo, o tal sujeito apareceu ao lado e lhe entregou duas garrafas de vinho e um queijo de nome enrolado, cheiro de chulé, mas que é uma delícia. Iguaria maior, nunca vi.

          Após a última entrega, meu homem chegou ao nosso humilde, mas lar, doce lar. Nem acreditei naquelas coisas nas suas mãos. 

          — Virou ladrão agora, é?

          — Que ladrão o quê, mulher! Ganhei.

          Depois de falar meia dúzia de palavras para me convencer, ele foi tomar um banho. Aproveitei e arrumei a mesa para degustarmos o vinho e o queijo. Assim que meu marido retornou todo cheiroso, abriu aquele mesmo sorrisão que me conquistou há quase dez anos.

          — Então, gostou?

          — Nem acredito que vamos ter uma noite de rico, meu amor.

          — Arlete, pobre também é filho de Deus      

De gole em gole, secamos as duas garrafas. De pedaço em pedaço, o queijo sumiu. Só sei que, na manhã seguinte, estávamos os dois com aquela dor de cabeça sem fim. Certamente, o queijo era com lactose. Porém, tenho uma tese sobre a bebida. Vinho de rico deve ser bebido em taças de cristal, e nós só possuímos copos de geleia.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Os enxaquecosos" foi publicado por Notibras no dia 24/6/2024.
  • https://www.notibras.com/site/vinho-fino-em-copo-de-geleia-da-dor-de-cabeca/

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