Quem me vê hoje nem imagina que, há muito tempo, meus colegas de trabalho me chamavam por um apelido. Odiava essa alcunha, mas eis que, aqui nessa cama fria do meu quarto, sinto saudade de quando podia correr pela rua. Do apelido, confesso que até sinto falta.
Comecei na
firma numa função que nem carteira assinada tinha, mas que era essencial para
que a mercadoria chegasse aos clientes. Entregador de cerveja, foi esse o
início da minha trajetória profissional. Não cheguei a presidente da empresa, é
verdade, nem mesmo passei perto de ser nomeado diretor. Todavia, o cargo de
gerente, após quase uma década, me garantiu uma vida confortável.
Foi logo no
meu primeiro dia, quando cheguei à garagem e me apresentei ao motorista que
faria as entregas comigo. Jorge, mas todos o chamavam de Antigo. Não porque
fosse o mais antigo na firma, mas por causa da idade, 53, quase um velho
naqueles idos.
Assim
que comecei a colocar os engradados na carroceria, Antigo começou a rir e
apontar para a minha cabeça dizendo que parecia com uma abóbora. Devo ter feito
cara de quem não gostou da brincadeira, pois o apelido pegou que nem chiclete.
De Abóbora foi um pulo até Abobrinha. Não por conta de
possíveis besteiras que eu pudesse dizer nessa época, mesmo porque costumava
entrar mudo e sair calado, tamanha a minha timidez. Era por causa do meu físico
franzino e minha baixa estatura. Mas devo dizer que nessa época eu estava com
14 anos, quase 15. Se bem que não cresci muito a partir de então, estancando no
atual 1,62 m que conservo desde então.
Após carregar
tantos engradados nos ombros, ganhei músculos proeminentes, que, assim que
galguei na profissão, foram cambiados por uma cintura mais arredondada. Mal
notei no início tal metamorfose, até que precisei trocar as calças e aposentar
o cinto. O acréscimo no salário, todavia, ludibriou qualquer autocrítica com a
nova silhueta.
Antes fosse apenas
questão de vaidade, mas fui advertido pelo cardiologista. Bobagens de médicos,
pensei. Antes fosse isso. Até Gorete, com quem havia me casado há dois anos,
começou a reclamar da minha gulodice.
— Carlos, meu bem, por favor, não coma a
pele do frango. Faz mal! Desfiei o peito pra você.
O prazer daquela gordura toda descia para
o estômago, que roncava suplicando por só mais um pouquinho. Entregue
completamente aos prazeres da comida, acabei desmaiando sentado à mesa. Meu
rosto tombou para frente e foi amortecido sobre a montanha no prato.
Não me lembro da ambulância chegando, nem
da minha chegada ao hospital. Quando voltei da cirurgia, a primeira coisa que
vi foi o rosto de Gorete. Ela, com lágrimas nos olhos, disse que me amava. Ao
seu lado, o médico que havia me operado.
— Carlos, você teve um infarto do
miocárdio. A cirurgia foi um sucesso, mas você precisa colaborar. A partir de
agora, nada de gordura.
Tenho me cuidado desde então. Já perdi
alguns quilos, muito mais por conta do monitoramento da minha mulher. Nada de
pele de frango, nada de churrasco com gordurinha. Aliás, Gorete, com aquele
lindo sorriso no rosto, veio me contar o cardápio do almoço.
— Carlos, meu amor, preparei uma abobrinha daqui, ó!
- Nota de esclarecimento: O conto "Apelido apropriado" foi publicado por Notibras no dia 27/6/2024.
- https://www.notibras.com/site/abobrinha-fica-marcado-ate-na-dieta-pos-infarto/
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