Era o ano de 1952, quando Altamira
convenceu o marido, José, a levar o pequeno Augusto, de oito anos, para
Goiânia, a então nova capital do estado. O único filho homem do casal estava
com hidrocele e, se a coisa desandasse, perigava o sobrenome do pai não vingar,
mesmo porque a mulher não podia mais engravidar.
José, que andava às turras com uma hérnia,
carecia de operar. Ele adiou o que pode, mas a situação andava de um jeito, que
qualquer peso era aquele problema. E o homem precisa ter saúde para lidar com
as coisas da roça.
Sem opções, José pegou o filho e rumaram para
Goiânia, pois, naquela época, não existia hospital em Luziânia. Os três médicos
da cidade atendiam em domicílio, mas só tratavam de lombrigueira, bicho-de-pé e
outros males daquele povo. Cirurgia mesmo era na capital.
No trajeto, pai e filho tiveram que atravessar
a ponte de madeira sobre o rio Corumbá, que era a única ligação com o sul do
estado. Augusto ficou maravilhado com aquele mundaréu de água. Quase mudo no
dia a dia, desandou a falar.
— Pai, quem é dono desse rio.
— Se não for Deus, deve ser algum fazendeiro
da região.
— E tem peixe?
— Tem.
— E jacaré?
— Tem.
— Mas os peixes não têm medo de jacaré?
— Jacaré também é filho de Deus. O bicho precisa
se alimentar.
Altamira, que ficara no sítio tomando conta
das outras crias, chorava pelo canto. Rezava todos os dias pedindo que o marido
e o caçula retornassem logo. Naquele tempo, cirurgia era sinônimo de morte. As
pessoas morriam, mas não se permitiam ser operadas. Isso demonstrava o quão o
marido era corajoso. Mal sabia ela que José estava adiando os passos para que a
viagem demorasse o tempo que nem possuía.
Apesar da procrastinação na jornada, os dois
chegaram à capital. Foram operados e, por milagre, tudo correu bem e, assim que
receberam alta, pegaram o caminho de volta para Luziânia. Recompostos que
estavam, apressaram o passo, pois queriam chegar logo ao sítio da família. O
problema é que a ponte, único acesso sobre o rio Corumbá, estava bloqueada.
Enquanto o marido e o filho aguardavam o
concerto da ponte, Altamira, sem ter notícias, arrefecia em orações. A mulher
já havia percorrido todos os santos que conhecia. No entanto, até aquele
momento, só pensava em algo especial para preparar para José e o pequeno
Augusto. Foi até a horta para escolher uma abóbora, mas não uma abóbora
qualquer.
Como a mulher havia plantado algumas sementes
no quintal, resolveu colher os frutos. Catou três e, após avaliação breve, se
decidiu pela maior e de aparência mais saborosa. A mulher colocou as três morangas
sobre a mesa da cozinha, com a escolhida no meio.
Naquele tempo, as pessoas se visitavam com
muita frequência. Rosa, moradora da propriedade ao lado, foi tomar café no
sítio da Altamira. Pra quê? A mulher ficou admirada com a perfeição daquela
abóbora, justamente a escolhida pela dona da casa. Ela quis porque quis
levá-la, mas foi dissuadida pela anfitriã.
— Ô, Rosa, essa não dou. Vou preparar moranga
com carne seca quando o José e o Augusto retornarem. Mas se você quiser, pode
ficar com as outras duas.
A visita fez cara de quem não gostou. Saiu sem
palavras, mas seus olhos diziam tudo e mais um tanto. Já estava escurecendo e
querendo economizar querosene, Altamira apagou as lamparinas e colocou as
filhas para dormir. Ela adormeceu após algumas rezas direcionadas para São
Benedito.
No dia seguinte, antes do primeiro canto do
galo, Altamira se levantou. Foi até a cozinha e quase caiu para trás. A abóbora
reservada para o festejo de retornou do marido e do filho estava seca que nem
uva-passa. As outras duas continuavam do mesmo jeito.
Não se sabe o que aconteceu com a Rosa. A
mulher sumiu e ninguém soube informar seu paradeiro. Alguns dizem que ela foi
para o lado de Goiânia, outros até falam que morreu afogada no Corumbá. Seja
como for, após mais alguns dias, José e Augusto chegaram ao sítio da família,
onde comeram moranga com carne seca durante uma semana inteira.
- Nota de esclarecimento: O conto "As cirurgias e a abóbora" foi publicado por Notibras no dia 18/6/2024.
- https://www.notibras.com/site/historia-baseada-em-fatos-reais-antes-de-brasilia-destronar-velha-luziania/
Nenhum comentário:
Postar um comentário