Engraçado como a
simples visão de algo é capaz de fazer com que lembranças adormecidas,
praticamente defuntas, despertem de repente. No caso em questão, não foi
exatamente algo que vi, mas o inconfundível aroma que veio do apartamento ao
lado, cuja brisa, talvez em raro momento de gentileza, me fez chegar às narinas
bem aqui na poltrona da sala. Nem sei se sorrir, mas gosto de pensar que sim,
pois senti aquele cheiro de café fresquinho, suplicando para ser degustado a
goles suaves em quintal repleto de flores e passarinhos.
É verdade que moro em apartamento. Quinto andar, para
ser mais exato. E o máximo de natureza que disponho é uma orquídea de plástico
na varanda. Foi presente de uma tia querida, que me visita com certa
regularidade. Por conta dessas vindas da minha parenta, nem me atrevo a jogar
aquele trambolho fora. Que fique lá enganando qualquer beija-flor
desatento.
O café! Ah, o café! Quantas
recordações me traz esse cheiro inconfundível. Minha avó era especialista no
preparo, sabia que a água não se ferve, o ponto é até surgirem aquelas pequenas
bolhas no fundo da chaleira.
Nessa época de menino, vovô, que era advogado, atendia
no escritório em sua casa. Invariavelmente, vovó preparava aquele cafezinho e
levava em uma bandeja de prata para os clientes. E, quando eu estava por lá,
ela me chamava para carregar uma cestinha com alguns biscoitos finos.
Assim que deixávamos o café e os biscoitos, saíamos
para não atrapalhar o trabalho do vovô. Por isso, quase nunca ouvíamos algo.
Mas eis que, certa vez, um homem, que não deveria ter chegado aos 30 anos,
perguntou para meu avô quem eu era.
— É o Marquinho, meu neto.
— Que saudade dos meus tempos
de criança, doutor Olavo.
— O tempo, meu amigo, é um
suspiro.
— Doce?
— Não. Ligeiro.
- Nota de esclarecimento: O conto "O café, os biscoitos e o tempo" foi publicado por Notibras no dia 3/6/2024.
- https://www.notibras.com/site/cafe-e-biscoitos-lembram-que-vida-e-rapida-como-um-suspiro/
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