Os três irmãos levantavam mais cedo do que o Sol, que,
preguiçosamente, só dava as caras quando eles já estavam a caminho da escola
Dona Enide. As meninas, mais resignadas, caminhavam firmes. Raimundo seguia
atrás, muitas vezes tendo que ser arrastado pelo braço para apressar o passo. A
fome os consumia.
Arroz, feijão e um tanto de farinha. Era o que aquele povo
possuía para comer. É verdade que, de tempos em tempos, o feijão rareava. Às
vezes, faltava arroz e, dependendo, até a farinha era pouca. A escassez doía
nos esqueletos, que teimavam em permanecer de pé.
Durante a aula, Raimundo se entretinha mais em sonhar com algo
além de arroz, feijão e farinha. Não raro, perdia a explicação sobre
vogais e consoantes. Na verdade, desde sempre ele convivera com quatro letras:
F, O, M, E. Isso, aliás, ninguém lhe tirava da barriga.
Pois foi justamente algo que lhe aconteceu na saída da escola,
quando tentava acompanhar os passos das irmãs ali no Beco da Mangueira, esquina
com a rua Domingues Nunes, que marcou o caráter do menino para sempre. O beco,
aliás, tinha tal alcunha porque havia um pé de manga. Não desses frondosos, mas
um que também tentava sobreviver naqueles tempos de vacas magras.
Atento a qualquer oportunidade, Raimundo se deparou com aquele
milagre. Lá estava, bem no topo da árvore, uma manga. Mas não uma manga
qualquer. Era a última da estação. O bucho do pirralho suplicava por aquele
manjar dos deuses.
Raimundo pegou uma pedra, mirou bem e atirou, certo de que
derrubaria a fruta. Que nada! Errou. Catou outra pedra, mirou melhor e ela
passou ainda mais longe. Desesperado, pegou mais uma, duas, três, todas as
pedras que encontrou. Uma a uma, nenhuma conseguiu derrubar a manga, que se
mantinha firme lá no alto.
Quase sem forças, o moleque encontrou a derradeira pedra.
Esfregou bem as mãos, rezou para todos os santos, alguns que nem existiam. Fez
mira de índio que joga flecha certeira. Acertou bem em cheio.
A manga despencou lá de cima. Raimundo mal
acreditou no seu feito. Correu feito bebê que chora por peito quando, então,
uma porca, saída de não se sabe onde, ligeira que nem preá, abocanhou a manga e
saiu desembestada. O moleque, feroz como onça-pintada, foi ao seu encalço, mas
sem sucesso.
Lá se foi a manga, devorada logo adiante por aquela porca
desalmada. Ao pobre Raimundo, desolado, só restou amaldiçoar aquela leitoa. Que
virasse torresmo! Moído de ódio, foi despertado pelas irmãs daquela embirração.
— Raimundo, vamos logo, que hoje tem arroz, feijão e farinha.
- O conto "Raimundo e a última manga" foi publicado por Notibras no dia 9/4/2024.
- https://www.notibras.com/site/raimundo-com-raiva-da-porca-come-feijao-arroz-e-farinha/
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