E lá estava aquela gente, a céu aberto, cercada por palmeiras
de coco babaçu, comemorando não se sabe se aniversário de um ou casamento de
outro. Certo é que o pobre do bode rodava fumegante na churrasqueira
improvisada no chão.
Rodolfo, que há muito saíra da região para estudar na capital,
era não mais que forasteiro por ali. Quase ninguém se lembrava do rapaz ou, se
lembrava, era puro fingimento para forçar amizade. É que o moço era herdeiro e
não custava nada bajular quem se deitava em colchão sobre tanto dinheiro.
— Ainda tenho na memória
você montado num belo cavalo.
— Mas, seu Tião, nunca
tive cavalo.
— Num sei se era seu,
talvez fosse do senhor seu pai.
— Do papai?
— Um belo alazão, não
era, Juvenal?
— Tenho cá minhas
dúvidas, pois creio que era um tordilho.
— Tordilho ou alazão,
tanto faz. Era um animal magnífico.
— É verdade. E o pequeno
Rodolfo, firme nas rédeas, que nem príncipe.
Rodolfo a tudo escutava,
maravilhado com os próprios feitos, dos quais não se recordava. Coisas apagadas
da memória, mas que pareciam reviver depois de tantos elogios. Sim, agora ele
se lembrava perfeitamente. Bem pequenino, mas desde sempre repleto de
qualidades.
Gertrudes, bem ali ao
lado, olhou com desdém para aquele povo. Cuspiu o pedaço de carne que há tempos
mastigava, resmungou algo, que não foi entendido pelas pessoas.
— Melhor pôr a nado os
patos.
— O quê, dona Gertrudes?
— Vou pôr a nado os
patos.
— O quê?
— Pôr a nado os patos,
homi! Pôr a correr as galinhas! Pôr os cavalos a relinchar! Que aqui tá carente
de patrão pra tanta montaria.
- Nota de esclarecimento: O conto "Dona Gertrudes, cobras e lagartos" foi publicado por Notibras no dia 11/4/2024.
- https://www.notibras.com/site/dona-gertrudes-solta-cobras-e-lagartos-contra-bajuladores/
Nenhum comentário:
Postar um comentário