No dia do
casamento, o homem acreditou piamente que Arlete, a noiva, o havia abandonado,
pois os tradicionais trinta minutos se esticaram a quase uma hora. Pois é! Uma
hora! Aquilo era sinal evidente de que a moça desistira de passar os próximos
anos e tantos mais que viessem ao lado de Eurípedes. Que nada! A mulher
apareceu linda e, sorridente, disse o tradicional sim e, em seguida, ainda
tascou aquele beijo apaixonado nos lábios trêmulos do noivo. A lua de mel prometia!
Os
primeiros meses foram só alegria, apesar das preocupações do marido. Arlete,
ainda muito apaixonada, talvez não tenha percebido ou, pode ser, teria relevado
tais aborrecimentos. Afinal, Eurípedes até que se mostrou bom marido, sabia se
fazer útil nos afazeres domésticos e, à noite, se fazia competente.
O casal,
assim que estava prestes a comemorar bodas de algodão, se deparou com algo fora
dos planos mais breves. Arlete sentiu os primeiros enjoos. Regras atrasadas,
não teve dúvida. Não ficou triste, apesar da possibilidade de mudanças
drásticas que, certamente, chegariam lá pelo mês de setembro ou, mais tardar,
início de outubro.
Não
tardou, os pombinhos souberam que a surpresa chegaria em dobro. Outro susto, é
verdade, mas nada para se apavorar, mesmo diante da preocupação de Eurípedes de
ver a família passar a ter quatro membros em breve.
O parto
chegou em uma manhã chuvosa de primavera. Laura e Lúcia, cara de uma, focinho
da outra, eram cópias da mãe, que precisava se desdobrar em duas para atender
tantos desejos por um peito. Sorte das duas, pois o leite escorria pelo ladrão.
As
meninas cresceram e, parece, esse tempo de noites mal-dormidas se transformaram
em muita agitação pelo jardim da modesta casa, comprada à custa de muito suor
de Arlete e Eurípedes. Ainda faltava aquela infinidade de prestações, mas nada
que tirasse a mulher do sério. Quanto ao Eurípedes, fazia e refazia um mundaréu
de contas e, não satisfeito, as repetia de trás para frente, de frente para
trás. Na mente do homem, sempre havia um se.
Arlete,
mais prática, colocava mais água no feijão se necessário, trocava a margarina
pela manteiga, fazia um furo a mais no cinto para as calças não desabarem. Tudo
se dá um jeito, ela pensava. Seja como for, no final do mês, por mais apertado
que fosse, sempre havia de entrar o próximo pagamento, que empurraria a dívida
para o mês seguinte. E assim ia vivendo.
E, apesar
das dificuldades, até que aquela família levava uma vida razoável. Mas
paciência tem limite e, o que se conta à boca pequena é que, certo dia, Arlete
viu a sua se esvair. Eurípedes, desesperado como ele só, chegou bem próximo ao
ouvido da amada. Disse que a situação era calamitosa, pois o aniversário das
filhas seria dali a três meses, mas o dinheiro andava curto.
—
Calma, Eurípedes.
— Como,
Arlete?
—
Cada dia com sua agonia.
- Nota de esclarecimento: O conto "Eurípedes, o agoniado" foi publicado por Notibras no dia 15/4/2024.
- https://www.notibras.com/site/aniversario-das-gemeas-exige-conta-na-ponta-do-lapis/
Nenhum comentário:
Postar um comentário