quarta-feira, 3 de abril de 2024

A doce loucura da liberdade

    

    Deitados tão próximos, aqueles dois sussurravam para que os tantos outros não os pudessem ouvir. E, caso alguém os escutasse, poderiam ser denunciados. Boa paga não lhe faltaria.

   — Vamu?

    — Tá louco?

    — Loucura é ficá aqui.

    — Deixa de ser ingrato, homi.

    — Ingrato?

    — Sim.

    — Tá louco?

    — Loucura é ocê que qué fazer.

    — Não fico nem mais um dia aqui.

    — Não pensa no sinhô Augusto?

    — Tá louco?

    — Louco é ocê de não reconhecer a bondade do homi.

    — Tá louco?

    — Louco é ocê.

    — Já esqueceu daquilo?

    — Mereci.

    — Tá louco?

    — Fiz corpo mole. Mereci.

    — Tá mesmo louco.

    — Não vá, por favor. Pense no sinhô Augusto.

    — Tá louco?

    — O homi vai ter um baita prejuízo.

    Deu de ombros para as súplicas do companheiro e se embrenhou pela mata adentro. Nunca mais se ouviu falar dele. Não se sabe se onça comeu ou se continua por aí, livre. Tronco, nunca mais. A verdade é que o amigo que ficou, mãos calejadas, costas marcadas por conta de corpo mole, fez tudo para compensar a perda do senhor Augusto, proprietário de engenho lá para os lados do Quilombo dos Palmares, 1624.

  • Nota de esclarecimento: O conto "A doce loucura da liberdade" foi publicado por Notibras no dia 3/4/2024.
  • https://www.notibras.com/site/um-vai-e-outro-fica-na-doce-loucura-da-liberdade/


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