Juçara, que não
passava aperto por conta de sapato doado, sabia muito bem o que era viver na
penúria e, por isso, vivia falando que para tudo tinha um jeito, desde que não
fosse morte bem morrida, do tipo que nem desfibrilador ressuscitava. O marido,
apesar de não ter nascido em berço de ouro, recebeu todos os mimos e regalos,
principalmente da mãe, das avós e das dezoito tias. Numa família de mulheres,
era o tal bendito fruto.
A despeito
dessas convexidades e concavidades, os enamorados levavam uma vida agradável,
por assim dizer. Nada de muito luxo, mesmo porque a grana era curta, mas o
suficiente para não correr o risco de deixar os pés de fora do cobertor nos
meses mais longos do ano. E, caso a coisa apertasse, nada como a providencial
água para fazer o feijão render.
Nascidos em
Brasília, aqueles dois sonhavam em ir para a praia, pois cachoeira já conheciam
desde meninos. Um amigo do casal, o Marcelino, caminhoneiro de profissão, disse
que já havia feito algumas viagens para Salvador.
— É muito
bonito?
— É bonito
demais da conta, Juçara. Parece o lago Paranoá, só que com ondas maiores e
espumas que nem sabão.
— E você
tomou banho?
— Só no
rasinho. Aquilo puxa mais do que areia movediça.
— Eita!
— E a água
é salgada que nem os croquetes da dona Cassandra.
Aquela
conversa transformou aquele sonho numa obsessão para aqueles dois. Juçara,
afeita a fazer contas, economizava até nos centavos, ao mesmo tempo que
controlava os impulsos do marido, que sempre queria levar um pouco mais de algo
aqui e ali.
—
Adalberto, pra que levar três pães?
— Ué, se
sobrar, a gente faz torrada.
— Que mané
torrada o quê, homem! Olha pra essa sua barriga! Tá até parecendo mulher
buchuda.
Aos trancos
e barrancos, eis que, após um ano inteirinho de economia, o casal havia juntado
o suficiente para, finalmente, viajar para a praia. Não foram para Salvador,
mas uma praia mais perto. Também não ficaram em um hotel em frente ao mar, o
que não era problema, pois Juçara era adepta das caminhadas. O que eram míseros
dois ou três quilômetros para alguém que morava há mais de mil da praia?
Guarapari!
O paraíso dos mineiros, foi o destino escolhido pelos pombinhos. E lá foram os candangos,
numa linda manhã ensolarada para a famosa praia do Morro. Juçara foi a primeira
a retirar os chinelos e sentir a areia. Adalberto, meio reticente, continuou
com os seus.
— Amor, não
vai tirar o chinelo?
— Acho que
não.
— Ué, por
quê?
— Não estou
me sentindo confortável com essa areia toda.
— Deixa de
bobagem, homem! E desde quando alguém se sente confortável depois que nasce?
- Nota de esclarecimento: O conto "O casal côncavo e convexo" foi publicado por Notibras no dia 17/4/2024.
- https://www.notibras.com/site/casal-concavo-e-convexo-descobre-que-conforto-acaba-quando-nascemos/
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