Aos 30, já era o segundo
no comando da secular empresa da família, atrás apenas do pai, que havia
sucedido o avô, que havia feito o mesmo com o bisavô. Tamanho mérito, aliás,
certamente era por conta de qualidades que jamais poderiam ser encontradas em
reles mortal. Ah, não mesmo! Precisava ter pedigree! E ninguém duvidava de que
o gajo possuía requisito dos mais desejados.
O homem, que nunca olhava
para baixo, talvez nem soubesse onde pisava ou quem ficasse sob as solas de
sapatos tão finos. Que importa? Na certa, ninguém merecedor de atenção. E
Marcelo seguia firmemente o caminho para conquistar o mundo, que, afinal, era
seu por direito. Quatro costados, para quem tivesse alguma dúvida.
Com menos de dois meses
na vice-presidência da firma, Marcelo decidiu comprar uma luxuosa cobertura em
frente à praia. Não que ele gostasse de tomar banho de mar. O caso não era
esse, pois até o aroma da maresia o deixava enjoado. Preferia o isolamento em
sua ampla piscina bem lá sobre a cabeça da ralé. Quanto mais longe, melhor!
Aproveitando a negociação
do apartamento, tratou logo de comprar um iate. Comprou e mandou que fosse
ancorado bem em frente à ampla janela da sala. E que ficasse com todas as luzes
acesas à noite, pois fazia questão de apontar para os convidados em festas
regadas a champanhe e caviar: "Comprei e ainda não usei. Mas é sempre bom
ter um para o caso de precisar. Demandas acontecem a todo instante, não é
mesmo?" E todos riam diante da presença de espírito do anfitrião.
Perto de completar 35,
Marcelo se casou com a doce Lídia Ribeiro e Silva, de 23. Nem precisa falar que
a moça era dos quatro costados. Herdeira até dizer chega! Haja tradição nessa
união tão comentada pela alta sociedade recifense.
Os pombinhos viajaram
para Paris, onde passaram a lua de mel dos sonhos da estirpe que lhes era
própria. Voltaram para Recife, onde se instalaram na ampla cobertura, cuja
vista da sala ainda dava para ver aquela belezura de iate, que continuava
intocável.
Após quase dois anos de
casório, parece que Marcelo andava muito ocupado com coisas da empresa.
Reuniões infinitas, inclusive noite adentro. Pobre Lídia, que já não sabia mais
o que comprar. Joias, roupas, até um conversível novo. Nada era suficiente para
aplacar tamanha solidão.
Pertencentes à mesma
casta, o jovem casal parecia viver em mundos diferentes. Por conta disso, vale
aqui uma fofoca, que não se sabe se é de todo verdadeira, mas que já corre à
boca pequena na ralé. Pois bem, dizem que a Lídia, curiosa para conhecer o tal
iate, foi até lá com uma amiga, a Ana Lúcia, que, além dos quatro costados, é
afeita a navegações.
Foi numa manhã, assim que
Marcelo saiu para trabalhar, a mulher encontrou a tal amiga, que a levou em uma
lancha até o iate. Embarcações emparelhadas, as duas foram ajudadas por um
marinheiro, que fazia a manutenção do luxuoso barco. Homem rude, pele
bronzeada, sem camisa por conta da visita inesperada.
As amigas, após passarem
quase uma hora conhecendo o iate, retornaram. Mas a história não acaba por aí,
pois fofoca boa precisa ser inteira. Parece que a Lídia sai todas as noites e
diz para o marido que vai visitar a Ana Lúcia. Na verdade, ela não mente para o
marido, pois vai mesmo se encontrar com a amiga. No entanto, esta transporta a
esposa do Marcelo até o iate. Em seguida, se afasta com a lancha e aguarda a amiga
por uma hora ou mais, até receber o sinal para ir buscá-la.
Essa rotina, segundo se
fala, já acontece há quase dois meses. E, não raro, é possível ver o Marcelo,
na janela da sala da ampla cobertura, admirando o luxuoso iate, que continua
com as luzes acesas para que toda Recife possa invejá-lo. Afinal, ter quatro
costados não é para qualquer um.
- Nota de esclarecimento: O conto "Quatro costados" foi publicado por Notibra no dia 5/4/2024.
- https://www.notibras.com/site/marcelo-milionario-ganha-antena-como-um-televisor-antigo/
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