sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Conversa sobre Alcebíades

    

         Aconteceu num ponto de ônibus em Brasília, quando aqueles dois desconhecidos se encontraram. O bate-papo foi inevitável, já que a espera seria longa.

          Alcebíades. Conheceu? Um tipo quase comum que andou por aqui, caso não fosse por uma ou outra surpresa que provocava nos que lidavam com o sujeito. Às vezes tímido, era capaz de certos atrevimentos. Não que fosse indecente, mesmo porque, até onde me consta, era fiel à eterna noiva. Luciana, bela mulher, dona dum sorriso improvável diante de desconhecidos. 

          Um metro e sessenta e cinco, não passava disso. Talvez menos, e não gostava de usar subterfúgios para parecer mais alto. Não que chegasse a ser o dono do pedaço, mas carregava certa confiança imprópria nos de sua estirpe. Mero motorista de táxi, como tantos outros por aí. Aquele bigodinho aparado com esmero, o providencial pente no bolso da camisa, calça tergal, sapatos baratos do dia a dia. Não o culpo, a vida naquele tempo era dura, inflação às alturas, a censura... 

          Você se lembra, né? Não se podia falar nada, que era capaz de te levar pra não sei onde, e nunca mais ninguém saberia de você. E ninguém perguntava, pois perigava sumir também. Mas era um tempo bom, do pra frente, Brasil. E tínhamos Pelé, Gerson e o Furacão, sem falar daquele cracaço que era o Tostão. Eita, mineirinho que sabia fazer gol. Pena que parou de jogar tão cedo. Ou parava ou, então, poderia até ficar cego. Lembra?

          Ih, é mesmo! O papo tá tão bom, que até me esqueci do Alcebíades. Bom sujeito. Sabe, daquele tipo caladão, que falava apenas o necessário ou nem isso. Meu amigo, nem sei por que ele me veio à cabeça agora. Nem éramos amigos. Quer dizer, a gente tinha boa convivência, se conhecia, como quase todo mundo naquela época. Isso aqui era puro barro. Barro vermelho, como você sabe, né?

          Não? O senhor não é daqui da capital? Bem que percebi pelo sotaque. Aposto que é do Rio de Janeiro. Adoro esse modo dos cariocas falarem. Você acredita que ainda não conheço o Rio de Janeiro, meu amigo? Pois é, conheço só das novelas. Quantas praias lindas, né? Olha eu aqui me esquecendo do Alcebíades de novo. 

          Gente finíssima, mas que chegava a causar aquela coisa... Como é que posso dizer? Certo desconforto por algumas coisas que falava. Se bem que, na maior parte do tempo, era calado. Sem contar que, de vez em quando, desaparecia por um tempo. Depois voltava e, dois, três meses depois voltava a desaparecer. 

          Quando retornava, os colegas do ponto de táxi... Havia um ponto de táxi bem ali próximo à W3, mas não existe mais. Pois é, o Alcebíades parava o Fusca dele ali. Naquele tempo era muito comum taxista com Fusca. Hoje virou carro de colecionador. Como tem doido por aí, né, meu amigo? 

          Você gosta de Fusca? Ah, é um automóvel bonito, carrega tradição. É o que digo pra minha patroa sempre: "Adalgiza, um dia ainda vou ter um Fusca!" O quê? Você não tem um Fusca? Mas quer ter, né? Não?  Ah, prefere o carro novo? É melhor, né? Carro velho só dá problema.

          Olha aqui eu desviando a conversa de novo, meu amigo. Pois é, o Alcebíades era um tipo esquisito. Esquisitíssimo, por sinal. Sempre que aparecia lá no ponto de táxi, os colegas iam falar com ele.

          — Mas por que você sumiu, Alcebíades? Até parece que não gosta da gente.

          — Ah, vocês são maravilhosos, mas evitá-los é melhor.

          Pois é, meu amigo. Pra você ver! O Alcebíades era um tipo esquisito pra lá de metro. Né?

  • Nota de esclarecimento: O conto "Conversa sobre Alcebíades" foi publicado por Notibras no dia 1º/8/2025.
  • https://www.notibras.com/site/quando-aqueles-dois-desconhecidos-se-encontraram-o-bate-papo-foi-inevitavel/