Tentou falar, mas a voz,
com a rouquidão cada vez mais presente, emudeceu-se. Os colegas, talvez
imaginando que aquilo fosse algo momentâneo, não aparentaram preocupação, até
que, de repente, a cabeça do sujeito tombou sobre a mesa do bar. Todos
gritaram.
— Carlos!
Amanda, a única que sabia prestar os
primeiros socorros de forma correta, tomou à frente no grupo. Ela conseguiu
manter a calma, apesar dos laços afetivos que possuía com o enfermo.
— Lúcio, ligue pro SAMU.
— E qual é o número?
— 192.
Enquanto a ambulância não chegava, os
amigos confabulavam sobre o que mais poderiam fazer. Álvaro, companheiro de
peladas de Carlos, era o mais incrédulo. Não era possível que o artilheiro do
time tivesse algum problema de saúde. Justamente ele, que também se destacava
pelo fino trato com a bola.
— Só pode ser por causa do cigarro.
— Álvaro, mas o Carlos não fuma.
— Sei disso, mas tem tanta gente que não
larga esse vício, que acaba afetando até mesmo nós, os atletas.
— Atletas? Vocês? Com essas barrigas?
Diante do flagrante, o homem ainda tentou
encolher a protuberância abdominal, o que até poderia causar boas gargalhadas,
caso o momento fosse outro. Algumas trocas de olhares, todos voltaram a atenção
a Carlos, que, graças à ação de Amanda, começou a abrir os olhos. Desorientado,
ele não conseguiu entender por que todos o observavam com aquelas caras de
aflitos.
— O que foi? Nunca me viram?
— Carlos, você tá bem?
— Ué, e por que não estaria?
— Você desmaiou.
Foi aí que o agora acordado
colocou a mão na testa, onde estava levemente vermelha. Mas antes que pudesse
dizer mais alguma coisa, o socorro chegou. E, após o atendimento no local,
Carlos foi levado até o hospital, mas apenas por precaução. Foi liberado
algumas horas após, com recomendação de repouso e mudança nos hábitos
alimentares e redução da ingestão de bebida alcóolica.
No dia seguinte, já se sentindo
pronto para outra, Carlos telefonou para Amanda.
— Oi, Amanda! Quero te agradecer
por ontem. Você salvou a minha vida.
— Não foi nada, meu amigo.
— Você sabe, né?
— Sei o quê, Carlos?
— A partir de agora você é o meu
anjo-da-guarda.
Amanda, apesar de tentar dizer
que qualquer um faria aquilo, sabia que, pelo menos naquela mesa de bar,
somente ela soube proceder de acordo e, por isso, se sentiu, de certa forma,
dona da vida do amigo.
— Ei, Carlos, não é possível que
você vá comer essa carne cheia de gordura!
— Mas, Amanda, é só um pedacinho.
— Hum! Só um pedacinho, é? Olha
que não vou estar ao seu lado sempre. Vá que você tenha outro piripaque
daqueles...
Carlos, diante da advertência da
sua salvadora, mesmo que a contragosto, servia-se cada vez mais de saladas. No
final das contas, até gostou, mas não por causa da privação imposta. O motivo
era outro. É que ele havia perdido alguns quilos e, então, passou a exibir uma
silhueta mais atraente para as outras conhecidas.
— Carlos, você virou modelo agora,
é?
— Que isso, Marieta? Apenas estou
me cuidando um pouco. Depois daquele susto, né?
— Hum! Pois faz muito bem, gato!
— Gato? Eu?
— Sim, isso mesmo!
— Que nada, Sofia!
Quem não pareceu gostar dessas
investidas foi justamente a Amanda. Como é que é? Então, ela salvava a vida do
gajo e, do nada, ele passava a aceitar essas cantadas baratas de qualquer uma?
— Quanta ingratidão, hein,
Carlos!
— Como assim, Amanda?
— Ué, eu te salvo e você fica
dando trela pra essas aproveitadoras.
— Aproveitadoras? Mas são a
Marieta e a Sofia, nossas amigas.
— Amigas? Nossas? Hum! Aquelas lá
são duas lambisgoias, isso, sim!
Carlos, atônito, não sabia o que falar.
Também não teve coragem de contestar a mulher que lhe salvara de entrar no
paletó de madeira. E, talvez por isso, tenha se deixado levar pela razão e
convidou Amanda para assistirem ao filme Ainda estou aqui. Desde
então, o enlace continua firme, apesar de alguns afirmarem que Amanda já não
suporta mais a fixação do namorado por rúcula e brócolis.
- Nota de esclarecimento: O conto "Foi por pouco" foi publicado por Notibras no dia 1º/9/2025.
- https://www.notibras.com/site/foi-por-pouco/
Nenhum comentário:
Postar um comentário