quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Almir, o bobo

    

     Isolado em pensamentos, acendeu um cigarro imaginário entre tantos outros, enquanto os demais convidados pareciam se divertir com as histórias contadas pela anfitriã, colega de longa data que, finalmente, comemorava a aposentadoria. Claudete gargalhava e, assim, puxava uma onda de risadas, a maior parte franca. Almir, por um instante, a observou, soltou uma baforada invisível e, cauteloso, sorriu para salvar seu disfarce. 

     Por um instante, tentou captar o conteúdo daquela conversa, mas, já no instante seguinte, voltou aos devaneios. Por que teria mesmo aceitado o convite para estar ali? Entre todos os colegas da repartição, até que possuía certa afeição por Claudete, mas não a ponto de perder uma noite de sexta-feira com as mesmas pessoas que passava a semana inteira entre reuniões e documentos sem fim. Mais uma tragada, agora mais profunda, clareou sua memória. Laura. Sim, a bela mulher de cabelos negros e enigmáticos olhos castanhos. 

    Sempre simpática, Laura costumava lhe sorrir nos momentos em que se esbarravam ao redor da mesa do cafezinho. Diga-se de passagem que raros eram por acaso, já que Almir, escondido atrás de um ou outro processo, observava cada movimento de pernas da mulher, que se sentava próximo à sua mesa. Ele adiantava-se e, mesmo não sendo o melhor dos atores, caminhava de maneira quase natural em direção à garrafa térmica.

      Do jeito que tomamos café, talvez até descontem do nosso salário.

      O quê?

      O café, Almir.

      Ah, tá!

    Laura sorria do modo desajeitado do companheiro de labuta, que, então, ficava ruborizado.

     Será que vão mesmo descontar a gente?

      Claro que não, né, Almir!

      Tem certeza?

      Sim! Tô só brincando, seu bobo.

    Bobo. Bobo. Bobo. Almir guardou aquele verbete como regalo fosse. Tanto é que, entre uma tragada e outra, observou a namorada utópica sentada ao canto, cuja cintura estava envolvida pelos braços do marido. No entanto, assim que foi descoberto por Laura, o sujeito baixou os olhos e, engasgado por causa da fumaça, começou a tossir. 

      Você está bem, Almir?

      Ah, sim, sim, Claudete.

      Quer um pouco de água?

      Não, obrigado. Estou bem. 

   Almir tentou retornar aos seus pensamentos. Todavia, desmascarado, não conseguiu acender mais nenhum cigarro. Bobo. Sim, completamente bobo. Percebeu que precisava por um fim naquele romance antes que a coisa ficasse séria. Também decidiu parar de fumar e tomar tanto café. Melhor mesmo evitar uma possível gastrite. 

  • Nota de esclarecimento: 'Almir, o bobo' é mais um dos contos do escritor Eduardo Martínez que foi publicado por Notibras. 
  • https://www.notibras.com/site/almir-o-bobo/

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