domingo, 28 de setembro de 2025

Adelaide, a atendente de telemarketing

         

          Sabe aquela profissão ingrata, que não dá para ficar escolhendo freguês e, se reclamar, ainda é arriscado até a mãe ser lembrada por alguém mais desbocado? Pois é, Adelaide, sem maiores opções, precisou se render ao destino ingrato e, então, aceitou o emprego de atendente de telemarketing. 

          Entrava às seis da manhã e, quando tinha sorte, conseguia engolir um sanduíche de mortadela entre uma ligação e outra. Sem mencionar que o dinheiro era curto, ainda mais diante de tanto sofrimento. E falava, falava, falava, falava e, se tivesse mais algum tempo, falava mais um tanto, pois, a cada venda realizada, o telefonista era generosamente gratificada com uma ninharia, que, bem ou mal, lhe faria diferença no final do mês. 

          Casada com o primeiro namorado por descuido de adolescente, que desconhece métodos contraceptivos ou, então, acredita piamente que não vai acontecer, Adelaide vivia sem expectativas de mudanças quando chegou aos 20 anos de matrimônio. Não que fosse totalmente infeliz, mesmo porque até aos miseráveis são destinados alguns, apesar de simplórios, instantes de regozijo. Sem contar que Amanda, única filha do casal, parece ter aprendido desde cedo com o deslize dos pais e, até o momento, trilha um destino mais promissor. 

          Mas não estamos aqui para contar a trajetória de sucesso da herdeira de quase nada. Nananinanão! O mote deste conto (ou seria crônica?) é a própria Adelaide, que já estava há quase um ano no emprego. Sim, isso mesmo! A mulher, resiliente que era, não desistia fácil, por pior que fosse o osso para roer, sem contar que a única carne que lhe fazia companhia era a própria cutícula. 

          A despeito da voz suave e deveras agradável, Adelaide não levava uma vida mais suave do que, por exemplo, a Marieta, cujo timbre parecia mais o de taquara-rachada. Entretanto, o que a irritava de verdade eram, acima de tudo, as inconvenientes investidas de clientes, que, talvez, vislumbrassem oportunidade de paquera. E, entre uma cantada e outra, o copo de paciência da funcionária ficava cada vez mais cheio até que, de repente, transbordava.

          — E aí, gata? O que tu tá procurando?

          — Devo tá procurando algodão-doce, né, meu senhor?

  • Nota de esclarecimento: O conto "Adelaide, a atendente de telemarketing" foi publicada por Notibras no dia 28/9/2025.
  • https://www.notibras.com/site/adelaide-a-atendente-de-telemarketing/

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