Lorena. Sim, era esse o nome daquela
jovem. Um tipo quase comum, caso não fosse por aqueles grandes olhos castanhos,
que pareciam enxergar muito além, diferente dos seus colegas de lanchonete,
cada um mais conformado do que o outro com a vida repleta de
precariedades.
— Um dia largo isso tudo e vou-me embora.
— Embora pra
onde, Lorena?
— Num sei, mas
que vou, ah, isso vou!
— Vai nada.
Gente igual a gente já nasce neste buraco sem fundo, garota.
— Pois fale por
você, José! Eu é que não vou morrer aqui dentro.
— Ei, vocês
dois aí! Tem cliente pra atender e banheiro pra lavar.
— Já estamos indo,
seu Jorge.
— Eu é que não
vou lavar o banheiro hoje. Vá você, que lavei anteontem.
— Tá bom,
Lorena! Mas fale baixo, que o patrão pode ouvir.
— Que ouça! Num
tenho medo dele.
Jorge Lanches. Pois
era esse o nome da lanchonete mais incrementada do bairro. Um tanto cafona, é
verdade, mas cujo cardápio agradava à freguesia afeita a certas extravagâncias.
Ademais, o lema do dono era "Quanto mais roxo e abóbora melhor!"
Exageros à parte, a verdade é que aquele comércio era um sucesso de
audiência.
Valter, motorista do
caminhão de entregas, passava pelo menos duas vezes na semana no
estabelecimento. Por conta dessa rotina, era conhecido de todos, ainda mais
porque era falante que nem papagaio. No entanto, sem ser inconveniente, pois
sabia a hora de estancar a conversa, o que geralmente acontecia com a última
caixa de sorvete entregue.
— Esse Valter é
bonitão, né, Lorena?!
— Tu acha
mesmo, Margarida?
— E por acaso
tu não acha?
— Hum! Até que
é, mas não faz o meu tipo.
— E qual é o
seu tipo, Lorena?
— Um tipo
diferente do Valter.
— Mas tu tá
muito metida, hein?!
Enquanto a colega
falava, Lorena olhou aquele homem, não mais de 35 anos, cabelos negros que nem
anu, ombros largos, levemente corcunda de tanto olhar a maioria das pessoas do
alto. Sorriu para dentro, enquanto procurou manter os lábios frios para não dar
razão à Margarida.
Dizem que quem
desdenha quer comprar. Não sei se era exatamente esse o caso de Lorena, mas
Valter pareceu intrigado com aquela situação. Logo ele, o bonitão dos caminhoneiros
da firma, enjeitado por aquela quase magricela.
Quer dizer, Lorena não
era tão magra assim. Entretanto, despeito por despeito, Valter não queria ficar
para trás. Desse modo, até trocava algumas ofensas inofensivas com a moça.
— Nem se você
fosse a última mulher do mundo, Lorena.
— Hum! E tu é
besta a ponto de não querer tudo isto aqui?
— Tá muito
oferecida, hein?!
— Não a ponto
de fazer caridade pra um bicho feio que nem tu.
Essa conversa mole
durou quase um ano, até que aqueles dois deixaram de provocarem discórdia.
Talvez até tivessem se desinteressado um do outro. Coisas de quem não quer dar
o braço a torcer.
Pois é, mas eis que
um dia... Pra você ver como são as coisas, certo dia, mais precisamente uma
sexta-feira, início de primavera, o entregador apareceu todo macambúzio.
— O que
foi, homem? Por que tá todo borocoxô desse jeito?
— Hoje é o meu
último dia na firma, Lorena.
— Foi mandado
embora?
— Fui.
— Hum! E vai
fazer o quê?
— Ué, pegar o
que o patrão me deve e ir embora daqui.
— Embora?
— É.
— E pra onde,
homem?
— Sei lá! Mas
aqui que não fico mais.
— Hum! E vai
com alguém?
— O quê?
— Vai com
alguém, ô, surdo?
— Ué! Não! Por
quê?
— Hum! Quer
companhia?
— De quem?
— Minha, né,
bocó!
Foi o tempo de pedir
as contas, arrumar a mala e ir embora com o caminhoneiro, agora sem caminhão,
mas de Fusca. Nunca mais se teve notícias do inusitado casal. Se bem que dizem
que os dois, cansados da vida na capital, foram para o litoral.
- Nota de esclarecimento: O conto "Lorena e o caminhoneiro" foi publicado por Notibras no dia 24/9/2025.
- https://www.notibras.com/site/lorena-e-o-caminhoneiro/
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