quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Boquinha, Expedito e o Corcel 1973

    

    Boquinha, o mecânico mais tarimbado da Magnu, afamada oficina localizada na bucólica Sobradinho, no Distrito Federal, anda cabreiro.  E a coisa chegou a tal ponto que, não tardou, lá foi o sujeito ter uma conversa com o patrão.

     Leopoldo, tô precisando de um tempo pra espairecer.

    — Tempo?

     Sim.

     Quanto tempo?

     Sei lá! Uns dias aí.

     Tá bom. Tire uma semana, que falo pro Zero-Zero me dar uma força.

    Leopoldo, que não gostava da fama de fofoqueiro que corria por toda a região, preferiu não perguntar qual o motivo daquele pedido do seu funcionário. Entretanto, bobo que não era, tinha lá suas suspeitas, que preferiu deixar guardadas sob a língua ferina.

    Bem, se o Leopoldo não quis revelar o segredo, não serei justamente eu que irei guardá-lo. E nem adianta me chamar de boca-de-balde, pois visto a carapuça com aquele sorriso de satisfação. Então, lá vai!

    Aqui precisaremos retornar há quase dois anos, quando Expedito, batendo à porta dos 90, puro, besta e inocente que era, levou seu velho Corcel 1973 para simples limpeza de carburador até a Magnu, onde fez as tratativas com o Boquinha, já que o Leopoldo estava numa pescaria inadiável com seu grande amigo, o Gilmarildo, no Araguaia. 

    Pode ficar tranquilo, seu Expedito. Isso aí é serviço pequeno. O senhor pode passar no final da tarde, que o seu possante estará pronto para outra.

    Pois é, mero serviço pequeno, segundo as palavras do Boquinha. Entretanto, tal empreitada não findou naquela longínqua tarde. Nananinanão! Acredite ou não, ela se estendeu até os dias atuais, apesar das inúmeras reclamações do insatisfeito, e com razão, cliente. 

    Seu Boquinha, o senhor é um tratante! Mentiroso de marca maior!

    — Mas, seu Expedito, é que o serviço é complexo.

    — Complexo? Uma tarde! Foi o que você me disse quando tive a infeliz ideia de deixar o meu carro aqui com você.

    — É que falta uma peça.

    — Peça? Mas o senhor é muito cara de pau! Que peça? O senhor nunca me falou de peça nenhuma.

    Para encurtar o imbróglio, o Corcel continua parado na oficina. Todavia, o Expedito teve um piripaque e precisou ser socorrido ao hospital. Pobre homem, não resistiu.

   O velório aconteceu no dia seguinte. E lá estavam o Leopoldo e o Boquinha para prestarem a última homenagem ao cliente reclamão. Cumprimentaram a viúva, os filhos e os netos do defunto e, em seguida, se aproximaram do caixão para dar o último adeus. 

     Leopoldo foi breve e, após algumas palavras, foi se juntar a um grupo de conhecidos. Boquinha ficou mais alguns minutos, talvez para se desculpar por prováveis desavenças. E, assim que já pensava em ir para perto do patrão, percebeu um pedaço de papel nas mãos do falecido. Intrigado, conseguiu puxá-lo, apesar da rigidez do corpo. 

        O mecânico ficou branco, cambaleou e quase tombou. Era um bilhete, cujo destinatário era ele: "Seu Boquinha, nem que eu precise ir até o inferno, o senhor vai me devolver o meu Corcel."

  • Nota de esclarecimento: O conto "Boquinha, Expedito e o Corcel 1973" foi publicado por Notibras no dia 11/9/2025.
  • https://www.notibras.com/site/boquinha-expedito-e-o-corcel-1973/

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