Sem tempo para si

          

       A vida é carregada de mistérios. Uns, de tão embrenhados no submundo da mente, quase nunca são revelados, ainda mais quando não explorados. Não que quem o faça terá sucesso em tamanha empreitada, que, aos olhos obtusos da maioria, é infrutífera.

        Por que se preocupar com frivolidades de autoconhecimento, quando se pode empenhar todos os esforços na fundamental busca de aquisição de uma Ferrari? Ironia à parte, Joana parecia carregar sobre os ombros toda a angústia de uma vida. Isolava-se, quando possível, apesar dos compromissos diários que a obrigavam a buscar o próprio sustento e o dos seus, além de se preocupar com os problemas dos outros.

          Mal chegava ao lar, cuja doçura parece que nunca estivera por ali, Joana se deparava com aquela bagunça infinita, a pia abarrotada de louça. A cria espalhada no tapete, o marido derramado sobre o sofá, ansiosos por atenção.

          — Mamãe! 

          — Mamãe!

          — Mamãe!

          — Meu bem, você demorou demais hoje.

          — Demorei, Marco Aurélio? Pois são os obstáculos que enfrento pelo caminho.

          — Você está bem?

          — Preciso ficar, né?!

          O homem tentou aplacar a própria culpa e abraçou a esposa. Ele a beijou suavemente nos lábios, ela não o rejeitou. Estava acostumada a servir.

          — Tudo bem?

          — Tudo.

          — Mesmo?

        — Queria só um cantinho tranquilo pra sentar e chorar por uns 15 minutinhos. Nada grave, só manutenção mesmo.

• Nota de esclarecimento: O conto "Sem tempo para si" foi publicado por Notibras no dia 8/9/2025.
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