Carlos
Roberto, o Beto da nossa patota dos anos 1970, era um tipão. Mesmo assim, o que
mais me chamou a atenção foram seus olhos egípcios, como se delineados fossem
por mãos maquiadoras. Tentei não demonstrar interesse e, parece, funcionou, já
que, no mês seguinte, estávamos no cinema assistindo ao filme Copacabana Mon Amour, quando fui quase surpreendida por um beijo
repentino do Beto. Confesso que, apesar de desejá-lo, me senti ligeiramente
desnorteada.
Não pense você que aquele havia sido meu
primeiro beijo. Já tinha visitado outras esquinas e, por isso mesmo, poderia me
considerar uma mulher avançada à época. Não uma doidivana, porém, consciente
dos próprios desejos aflorados pela juventude repleta de hormônios. Sim, uma mulher.
O namoro não durou mais do que um ano, o
que não impediu de criarmos laços para toda a vida. Era um amor fraternal, mas
com aquelas costumeiras recaídas que puxavam nossos corpos sedentos para
debaixo dos lençóis. Se havia culpa nesses momentos? De jeito nenhum. Éramos
adultos e, como tais, sabendo ou não o que estávamos fazendo, voltávamos para a
realidade como se acabássemos de degustar um chá de erva-cidreira com biscoitos
amanteigados no final da tarde.
Além de bom amante, meu amigo era um
sujeito divertidíssimo, desses que são notados até em velório. Não à toa, todos
não conseguiram tirar os olhos sobre seu corpo inerte dentro daquele caixão. Se
fosse outro o falecido, certamente estaríamos espalhados pelos cantos da capela
fofocando ou falando sobre a última vitória do Vasco ou do Botafogo ou de
qualquer outro time popular.
Por falar em velório, parece que é o real
momento para nos despedirmos dos que partem sem avisos. Há o clímax do
desespero, quando chega a hora do enterro, mas que, já no instante seguinte,
nos dá uma sensação de alívio. É como se, a partir daquele instante, tudo tivesse
realmente acabado, ficando apenas lembranças e fotografias, que vão se borrando
com o passar dos dias até que, de repente, desaparecem.
Não sei se isso acontece apenas comigo,
já que tenho enterrado, ao longo desses meus 73 anos, tanta gente querida. Isso
me fez pensar que, provavelmente, quando chegar a minha hora, seja melhor a
cremação para evitar tanto sofrimento alheio. Imagine, então, se ninguém
aparecer? Como é que fico? Já pensou? Justamente eu, que carrego o inusitado
nome de Lucrécia, ser enterrada sem plateia? Que vergonha!
- Nota de esclarecimento: O conto "Baú de memórias" foi publicado por Notibras no dia 31/8/2025.
- https://www.notibras.com/site/bau-de-memorias/
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