quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Francisco, o leitor compulsivo

          

        Francisco, sujeito de hábitos, trabalhava numa loja de ferragens em Brasília. E, entre um atendimento e outro, gostava de se deliciar com os textos de certo autor carioca, que publicava diariamente no Notibras. De tão fã, não raro, remoía cada trama como se procurasse na psicologia a explicação para seu desfecho, muitas vezes carregado de ironia.

          Os fregueses mais assíduos, acostumados com tamanha paixão por literatura, não raro, até esperavam por comentários sobre o enredo do dia. Alguns, inclusive, curiosos que ficavam, pediam para que Francisco compartilhasse o texto com eles. 

          — Que trama, Francisco!

          — É verdade, Lúcia! E você sabe de uma coisa?

          — Do quê?

          — Pois sonho com o dia em que ele entrará aqui na loja.

          — O escritor?

          — Sim! Já imaginou?

          — Ah, seria muito legal! Queria estar aqui pra ver isso acontecer.

          De tão boa estava a conversa, a cliente quase se esqueceu por que havia ido ao estabelecimento.

          — Ah, Francisco, que cabeça a minha! Preciso de uma torneira pro tanque.

          Dizem que quando queremos muito uma coisa, às vezes, ela acaba acontecendo. Se bem que, na maioria dos casos, nem mesmo o cheirinho chega às nossas ansiosas narinas. Todavia, parece que o Francisco estava com sorte naquela manhã de segunda-feira de rigoroso inverno na capital federal. 

          — Bom dia, o senhor tem esse tipo de resistência de chuveiro?

          — Não acredito!

          — Na resistência?

          — Não é possível!

          — O quê? O chuveiro?

          — Meu Deus!

          — O senhor está bem?

          — Não pode ser!

          — O quê?

          — É você mesmo?

          — Se eu sou eu?

          — Te leio todos os dias.

          — Ah, tá!

          O escritor, finalmente, entendeu aquela esdrúxula situação. Aliás, esdrúxula, sim, pois não era algo que acontecesse com frequência. Seja como for, sentiu-se o próprio rei da cocada preta. Tanto é que estufou o peito e sorriu seu melhor sorriso, daqueles que dá para ver até os sisos. 

          — Jurava que seus olhos fossem verdes.

          — Minha mãe também. Até hoje, o senhor acredita?

          — Francisco! Me chame de Francisco, por favor.

          — Francisco. 

          Conversaram por quase uma hora, até que o escritor recebeu uma mensagem da esposa: "Cadê, você? Por acaso foi fabricar a resistência? Não quero tomar outro banho frio!"

          O fã pegou a resistência do chuveiro, o escritor pagou no débito e, quando já estava de saída, foi interrogado pelo vendedor.

          — Ah, você escreve contos ou crônicas? É que não sei a diferença.

          — Meu amigo, só sei escrever contos.

          — Jura?

          — Sim. É que sou um mentiroso compulsivo.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Francisco, o leitor compulsivo" foi publicado por Notibras no dia 3/9/2025.
  • https://www.notibras.com/site/francisco-o-leitor-compulsivo/

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