De tilápia a tambaqui, piau a piaba, o homem vendia até traíra,
mas sem trairagem. E tudo ao gosto do freguês. Se quisesse inteiro, levava
inteiro. Se preferisse limpo, Peixoto tirava as tripas, que eram logo devoradas
pelos bichanos que ficavam de olho.
Tudo na maior harmonia, apesar do odor que
não deixava dúvida sobre a mercadoria vendida. Tanto é que, quando alguém,
marinheiro de primeira viagem, não soubesse onde ficava a barraca do Peixoto,
bastava seguir o cheiro característico e, não falhava, logo estaria diante
daquele mundaréu de peixes.
Último peixe vendido, o feirante recolhia as tralhas e voltava
para casa com um sorriso no rosto e o bolso cheio de notas. Mal pisava na
varanda, lá estava a esposa, Martinha, mão estendida, pronta para contar os
ganhos do dia.
A mulher retirava uma
ou duas cédulas e as devolvia pro marido, que se dava por satisfeito. Dinheiro
que seria pro cigarro, mas o homem há tempos havia parado de fumar. Dessa
feita, a quantia era guardada numa lata sobre a geladeira, pois, não raro,
despesas de última hora apareciam.
Mas deixemos esses acordos matrimoniais de quem administra o
dinheiro da família, mesmo porque o que aconteceu por esses dias não está
ligado diretamente a isso. Pois bem, lá estava o Peixoto na feira atendendo
seus clientes, a maioria de longa data. E, para sorte ou azar do feirante,
apareceu um tipo até então desconhecido.
De terno e gravata e carregando uma maleta, o sujeito lançou
aquele olhar sobre a mercadoria exposta, pincelou as escamas de um dos peixes.
Levou o dedo próximo à narinas e, pela cara feia, parece não ter gostado do
cheiro. Peixoto não deu muita trela para o homem, já que a clientela parecia
ter marcado encontro diante da banca, tamanha a profusão de peixes que estava
sendo vendida naquele momento. Todavia, a criatura fez questão de puxar
conversa com o feirante.
— Senhor, tenho aqui uma fragrância para melhorar o cheiro da
sua mercadoria. O frasco com meio litro é 500 reais, mas hoje estou com uma promoção
de cair o queixo.
Peixoto olhou aquele homem nos olhos, mas logo virou o rosto e
voltou a atender os clientes. Entretanto, o engomadinho não se fez por vencido.
— Cem reais! O senhor acredita nisso?
— Moço, vá procurar outro pra vender o seu peixe, e me deixa
vender o meu.
- Nota de esclarecimento: O conto "Valdir Peixoto, o vendedor de peixe" foi publicado por Notibras no dia 1/7/2024.
- https://www.notibras.com/site/valdir-peixoto-vendedor-de-peixe-de-cheiro-puro/
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