sexta-feira, 19 de julho de 2024

Sonho quase realizado

    

       Quando menino, pensava em virar caminhoneiro que nem o Costa, amigo da família. Ele costumava contar as coisas que havia vivido na estrada, da calmaria das noites escuras e dos primeiros raios de luz nas frias manhãs. Sentado no chão da varanda, meus olhos se fixavam naquele homem de voz rouca e barriga maior do que a do papai.

          No dia seguinte, enquanto mamãe preparava o café da manhã, eu lhe contava meus planos de seguir os passos do Costa. Ela me olhava de lado, cuspia um palavrão e procurava me desencorajar.

          — Deixa de bobice, Alfredo! E lá criei filho pra cair no mundo. Pois você vai tratar de estudar e trabalhar num emprego normal que nem seu pai.

          É verdade que estudei, mas não me tornei escriturário como meu pai, que praticamente só teve um emprego em toda a vida, num cartório perto de casa. De tanto carimbo que bateu, acabou desenvolvendo uma tendinite que o acompanhou até o último suspiro. Ironia ou não, mamãe ainda hoje utiliza um dos carimbos do papai como peso de papel na estante da sala. 

          Engenheiro que me tornei, viajo por toda a região. Quando posso, prefiro ir de carro. Creio que, de certo modo, consegui realizar meu sonho de infância. A estrada me fascina e me permite ter conversas com o meu eu interior. Além do mais, consigo ver lugares impossíveis de serem vistos lá de cima, quando vou de avião.

          De vez em quando, coloco uma música, mas o silêncio me permite apreciar melhor a paisagem. Gosto de ver os cavalos soltos no pasto. Vejo mais vacas e bois. Será que eles sabem que, mais cedo ou mais tarde, acabarão num prato? 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Sonho quase realizado" foi publicado por Notibras no dia 19/7/2024.
  • https://www.notibras.com/site/do-alto-de-baixo-vendo-o-mundo-no-futuro-do-prato/

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