O casarão era enorme, cheio de quartos,
tanto espaço, que eu, meus irmãos e primos nos perdíamos. Ao redor tinha de tudo:
curral, galinheiro, chiqueiro, um terreno sem fim, o rio lá embaixo. Minha avó,
apesar de amorosa, nos tratava com certo rigor.
— Primeiro, as obrigações; depois, a devoção.
E ai de quem risse durante o terço. Era
aquela lapada de vara de marmelo no traseiro. Meu primo Antero, esperto que nem
ele só, colocava capim dentro da calça para amortecer as pancadas.
A despeito desse modo de educar, vovó Jurema
sabia que precisávamos correr livres para gastar energia de criança. No
entanto, ela também era especialista na hora de atrair todos os netos quando
chegava a hora da fome. Bastava abrir a janela da cozinha para que o cheiro do
almoço chegasse a todos nós. Era uma correria só.
— Vão lavar as mãos,
que não quero menino lambão na minha mesa.
Tio Isidório, que morava a uns quinhentos
metros da casa dos meus avós, era contador de causos. Por isso, logo após o
jantar, que sempre acontecia às 17h, quando a luz do dia ainda fazia sala,
caminhávamos até a casa do nosso parente. Saíamos logo após comermos e íamos em
fila indiana por uma trilha, com o capim alto dos lados.
Quando chegávamos, meu tio dava um pedaço de
rapadura para cada um de nós. Em seguida, desandava a contar os causos. Não sei
se era de propósito, mas quase sempre eram histórias de assombração, que ele
jurava ter acontecido por aquelas bandas. Lembro bem que todos nos entreolhavámos assustados, mas não perdíamos nenhuma palavra sequer. Ansiávamos pelo final,
que sempre era apavorante
Depois de tio Isidório terminar, precisávamos retornar para
o casarão dos meus avós. O problema é que a escuridão já havia tomado o lugar. De
tão densa, que nem lua cheia era suficiente para iluminar o caminho de volta.
Por conta disso, ninguém queria ser o primeiro nem o último da fila. Tirávamos
a sorte e, depois, corríamos tanto, que tenho a impressão de que nem tocávamos
no chão, parece que levitávamos. Vovó, assim que entrávamos correndo na
casa, ralhava.
— Que é isso? Tão malucos? Até parece que viram alma
penada.
Mergulhávamos na cama, cobríamos
a cabeça e os pés. Ficávamos conversando por um tempo, até que um a um
adormecia. Ninguém queria ser o último a dormir, como se os fantasmas soubessem
quem ainda estava acordado.
No dia seguinte, com a claridade de volta, parecia que todos
havíamos esquecido do medo que sentimos na noite anterior. Os dias corriam
ligeiros que nem cavalo desembestado, até que íamos para a casa do tio
Isidório. Quanto ao medo, só lembrávamos quando víamos o breu lá fora.
- Nota de esclarecimento: O conto "O casarão e os causos do tio Isidório" foi publicado por Notibras no dia 20/7/2024.
- https://www.notibras.com/site/velho-casarao-inspira-os-causos-do-tio-isidorio/
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