Não se sabe ao certo se aconteceu em 1946 ou 1948, mas foi após o final daquela terrível guerra que assombrou o mundo. Seja como for, o fato se deu ao redor da região que hoje é conhecida como capital do Brasil.
Naquele tempo, havia um morador chamado Honório da Silveira,
que era muito criticado pelos conhecidos por não colocar os filhos no serviço,
deixando-os curtir a infância e, pasmem, até a adolescência. Pois é, ninguém
entendia por que o homem queria que os herdeiros ficassem naquela mordomia de
só estudar.
Honório, sujeito de posses, era um dos poucos
que possuía automóvel por aquelas bandas. Aliás, ninguém falava automóvel, mas
máquina. E foi justamente por conta disso que, numa noite fria de junho ou
julho, alguém foi pedir ajuda ao ricaço.
— Por favor, o senhor é o único que pode me
ajudar.
— Diga, meu rapaz. No que posso ajudá-lo?
— O meu tio morreu lá no sítio, e não tem
ninguém pra ir buscá-lo. Lembrei que o senhor tem máquina de carroceria e
poderia buscar meu tio pra gente velar e enterrar aqui no cemitério da
cidade.
Honório, que corria de gente morta quem nem o
Diabo foge da cruz, buscou socorro na esposa, Albertina. A mulher torceu os
lábios, ergueu e abaixou os ombros sutilmente. Não tinha jeito, ele precisava
ajudar. E foi o que fez.
Sem alternativa, Honório colocou uma capa de
frio, assentou o chapéu na cabeça e, já quase saindo de casa, ouviu a voz do
filho mais velho, o Vagner, perguntando se poderia ir junto.
— Coloque o casaco, pois o frio hoje está de
lascar.
E lá foram os três buscar o defunto, que
estava na fazenda Urutu, que era bem longe. Mal chegaram, tudo estava tão
escuro, que nem dava para enxergar um palmo à frente do nariz. Isso sem falar
que chovia a cântaros, o que dificultava ainda mais a tarefa que precisava ser
cumprida.
—
Senhor Honório, se preferir, poderemos passar a noite aqui e prosseguiremos
viagem amanhã bem cedo.
O dono da máquina, escondendo o medo de
passar a noite com o cadáver, disse que era melhor resolver aquela situação de
uma vez por todas. Eles, então, ergueram o morto e o colocaram na carroceria.
No canto, a viúva chorava humildemente para não atrapalhar o trabalho dos
homens.
Sem demora, Honório ligou o automóvel, enquanto as outras
pessoas, incluindo a esposa do falecido, se acomodavam no banco do veículo.
Partiram e, pelas contas do motorista, chegariam antes do amanhecer. Só que ele
não esperava que um imprevisto iria acontecer e, como é sabido hoje em dia,
aconteceu naqueles idos.
Mais ou menos no meio do caminho, a camionete
enfrentou um declive pouco antes de uma ponte de madeira. Honório, precavido,
tratou de controlar a velocidade com o pé no freio. O carro conseguiu passar
pela ponte, quando, então, Vagner alertou o pai sobre o aclive bem em frente.
— Papai, o senhor vai ter que dar mais
carga no motor, porque, com essa lama, a máquina não vai subir.
— Sim, meu filho, já tinha pensado nisso.
Honório deu tanta carga no motor, que o
automóvel subiu feito foguete. O problema foi que, com o solavanco, o defunto
escorregou pela caçamba e forçou a portinhola, rompendo-a. E lá foi o marido da
viúva, ribanceira abaixo, se estabacar dentro do riacho.
A mulher, aos prantos, viu os três homens
desesperados descerem do veículo. Eles entraram no riacho, cuja água estava
gelada. Mas frio era o menor dos problemas naquela situação. E, com a força que
ninguém sabia possuir, conseguiram colocar o finado de volta à carroceria.
Trataram logo de sair dali, antes que o improvável voltasse a acontecer.
Chegaram à cidade pouco antes do almoço.
Velaram o corpo por algumas horas, até que todos os parentes e amigos pudessem
se despedir do falecido. Ao pé do caixão, a viúva, com as mãos sobre a perna do
marido, dizia em voz baixinha:
— Coitadinho do meu José. Além de morto, ainda
quebrou a perna na queda.
- Nota de esclarecimento: O conto "Honório, a máquina e o defunto" foi publicado por Notibras no dia 29/7/2024.
- https://www.notibras.com/site/viuva-chora-dor-do-marido-com-perna-quebrada-depois-de-morto/
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