domingo, 7 de julho de 2024

Aquiles, Aurora e o bolo

  

Aquiles entrou esbaforido. Mal colocou os pés no piso de taco, a sola do sapato anunciou a sua presença. Aurora, a esposa, que estava com os bofes invertidos há dois dias por conta das regras, preferiu o aconchego da cama a ter que recebê-lo. Se o gajo fizesse questão, que fosse até a amada.

          O homem, conhecedor desses períodos conturbados, preferiu dar uma passadinha no lavabo. Esvaziou a bexiga e, em seguida, lavou demoradamente as mãos, talvez na vã tentativa de adiar o encontro com Aurora. Não que houvesse deixado de amá-la, mas aprendera que, naqueles dias, o melhor era manter certa distância para proteger a própria saúde mental, que já não era das melhores.

          Saiu do banheiro e foi direto para a cozinha. Abriu a geladeira, pegou as sobras da pizza da noite anterior. Pensou em colocá-las no micro-ondas. Todavia, lembrou-se de que na frigideira ficaria mais saboroso. Diante da dúvida, devorou quase tudo frio mesmo. Até que não estava ruim. Encheu um copo com suco de laranja e, finalmente, rebateu o último naco da pizza gelada. Lambeu os beiços, ainda com vontade de mais um pedaço. 

          Ele voltou a abrir a geladeira. Um pedaço de bolo, que a mulher havia comprado na semana passada. Aquiles se questionou: "Por que ela ainda não o havia comido? Será que ela se esquecera?" Por impulso, o homem pegou o bolo e, já perto de devorá-lo, pensou que era mais prudente perguntar à esposa.

          Dirigiu-se até o quarto. Olhou a mulher encolhida na cama. Olhos fechados, talvez Aurora estivesse dormindo. Melhor deixá-la descansar. No entanto, antes que Aquiles desse meia-volta, a esposa, sonolenta, resmungou algo que ele não entendeu.

          — O quê, amor?

          — Estou gorda!

          — Claro que não está, minha flor.

          — O que você está fazendo com o meu bolo na mão?

          — Trouxe pra você.

          — Aquiles, você quer me ver ainda mais gorda?

          — Claro que não.

          — Posso comer o seu bolo?

          — O quê?

          — O seu bolo.

          — Você tá maluco? Quer comer o meu bolo? O bolo que comprei pra mim?

          — Não, amor. Mas pensei que...

          — Pensou o quê?

          — Nada, mas...

          — Pois coloque o meu bolo na geladeira, que vou comê-lo mais tarde.

          — Mas você acabou de dizer que estava gorda.

          — Aquiles, me poupe, se poupe e nos poupe!

  • Nota de esclarecimento: O conto "Aquiles, Aurora e o bolo" foi publicado por Notibras no dia 7/7/2024.
  • https://www.notibras.com/site/aquiles-aurora-e-a-cizania-por-conta-de-fatia-de-bolo/

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