Reabilitado, Maurício retornou ao seu
ofício, que era pintar araras, papagaios e, dependendo do momento, atrevia-se a
criar duas ou três patativas no meio da mata. Coisas de artistas, a mãe, dona
Judite, gostava de falar. Seja como for, os quadros, expostos na calçada em
frente à residência da família, raramente eram vendidos, apesar dos olhares
curiosos dos transeuntes, que passavam e seguiam seus caminhos diversos.
Gilmar, morador novo do bairro, gostava de caminhar até o
trabalho. E, numa dessas idas e vindas, acabou se deparando com o Maurício e
aquele amontoado de quadros. Apesar da pressa, Gilmar se deteve por alguns
instantes, o suficiente para ficar encantado com a pintura de duas araras-vermelhas.
Olha daqui, olha dali, combinou o preço com o artista.
— Novecentos reais em três vezes. Pode ser?
— Sim. Aqui estão os primeiros trezentos,
Maurício.
Gilmar levou o quadro e o pendurou na sala.
Que belezura! Cristiane, a esposa, amou, tecendo elogios ao pintor. O casal,
não raro, se detinha em frente à obra de arte e conversavam sobre o estilo do
artista. Impressionista, mas com toques de surrealismo, pois repararam que o
Sol, ao fundo, se derretia em suor.
Mês seguinte, lá foi o Gilmar atrás do
Maurício para pagar a segunda parcela. Não o encontrou e, no dia seguinte,
passou pelo mesmo local. Nada do homem. Onde ele teria se metido? Gilmar,
durante os próximos seis meses, fez o mesmo caminho até que, numa manhã fria de
junho, encontrou o artista na calçada tentando vender mais alguns
quadros.
— Maurício, onde você se meteu? Estou querendo
te pagar há um tempão.
— Ah, estive internado.
— Mas você está bem?
— Sim. É que estava numa clínica de
reabilitação.
Gilmar e Maurício se despediram, com a
promessa de se reencontrarem no mês seguinte para que a dívida fosse quitada.
No entanto, quando chegou o dia de pagar os últimos trezentos reais, nada do
Maurício. Gilmar, que era bom pagador, passou por ali durante mais quase seis
meses, quando, finalmente, reencontrou o pintor.
— Maurício, você estava sumido. Vim te pagar a
última parcela do quadro.
— Pois é, estava internado novamente.
— Na clínica de reabilitação?
— Sim.
Os homens se despediram. Gilmar, que gostava
de buscar novos caminhos, nunca mais passou por aquela calçada, até que, depois
de quase seis meses, sentiu vontade de comprar outro quadro para fazer
companhia às duas araras. Mal chegou, encontrou o Maurício arrumando os quadros
na calçada.
— Oi, Maurício! Há quanto tempo!
O pintor, que havia saído novamente da clínica
de reabilitação, olhou para Gilmar. Ele coçou a cabeça e, curioso, perguntou:
— De onde você me conhece?
- Nota de esclarecimento: O conto "Maurício, o pintor de quadros" foi publicado por Notibras no dia 24/7/2024.
- https://www.notibras.com/site/cachaca-em-excesso-provoca-amnesia-em-artista/
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