sábado, 13 de julho de 2024

Maicon, o condenado

    

    Quando Maicon entrou naquele ambiente, era como se já o aguardassem. Ele não se sentiu deslocado, pois percebeu que ali se encontrava gente parecida, mesmo que nunca tivessem se esbarrado. Não sentiu medo, era seu destino, a sina dos seus semelhantes que moravam no bairro. 

          Enquanto caminhava pelo pátio, foi cumprimentado por alguns, enquanto olhares curiosos avaliavam o novo detento. A despeito daquela turba não ser diferente da que estava acostumado, o rapaz sabia que precisava se enturmar. O propósito ia muito além de amizade ou camaradagem. Era questão de sobrevivência.

          Apesar de já conhecer algumas gírias daquele ambiente antes de ser preso, Maicon percebeu que não sabia a maioria. Cama era jega. Portanto, se tá de jega, tá dormindo. E nada de dar uma de cabrito, pois dedo-duro não dura muito na cadeia. 

          Maicon, de tanta xepa estragada, precisou se agachar no boi até o estômago se acostumar. Levou tempo, mas tempo é o que possuía de sobra. Dos 28 anos, teria que cumprir pelo menos 11 no arame até conseguir progressão da pena. Fugir, então, era uma possibilidade. Só estava esperando cavarem um túnel. O problema é que a cadeia andava virada demais por aqueles dias, o que provocava a revista minuciosa nos barracos. 

           Aliás, quem mais temia virar a cadeia era a turma dos duzentões. Bandido não perdoa alma sebosa. Se fosse jack, estava no sal. Aprontou lá fora com a mulherada, seria usado, abusado e morto pelos outros detentos. 

          Do arroz e do pão podre, fazia-se a choca. O cheiro era ruim, o gosto ainda pior. Mas para quem não tem nada melhor, era essa cachaça que fazia a cabeça da galera. Aliás, pão é nome lá fora, pois ali é chamado de marroco. Leite que nada, é chernobyl. 

          Maicon sabia respeitar enquanto os presos se divertiam com as respectivas patroas no parlatório. Se não tivesse esposa, namorada ou ficante, que pagasse por uma, alcunhada de parlaboi. Que fosse assim ou a covardia. 

          Fugiu no cavalo doido, quando os mais corajosos fizeram uma pirâmide rente ao muro. Coragem de fugir não lhe faltava. Tratou de juntar os trapos e fazer uma tereza que aguentasse seu peso durante a fuga. Cinco metros é muita coisa para pular, a tereza de três já lhe salvaria a pele de se esborrachar no asfalto do outro lado. 

          Ao soltar a tereza, não se machucou. Caiu que nem gato e se desembestou. Entretanto, tomou dois tecos nas costas e um na cabeça. Nem teve tempo de saber que estava morto. Fora traído por um dos companheiros de cela, justamente o Salomão. Cabrito dos infernos!

  • Nota de esclarecimento: O conto "Maicon, o condenado" foi publicado por Notibras no dia 13/7/2024.
  • https://www.notibras.com/site/maicon-o-condenado-perde-liberdade-com-tres-tiros/

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