Depois da aposentadoria, tenho andado
pelas ruas da cidade. Observo tudo ao meu redor e, não sei se por compaixão,
curiosidade ou simplesmente implicância, há coisas que me chamam mais a
atenção. A mais recente é uma casa, que parece ser alugada, pois sei que o
antigo morador, apesar de conhecê-lo apenas de vista, foi passar uma temporada
na Bolívia. Como sei disso? A fofoca corre que nem preá assustado.
Evito fixar o olhar naquela residência, mas não tenho
dificuldade em perceber que por ali reside uma família cheia de crianças. Caso
não tenha perdido as contas, é de pelo menos meia dúzia de guris. As idades
variam entre dois a doze anos, talvez mais. E, apesar dessas diferenças, todos
me parecem viver em harmonia, tanto é que sempre estão brincando em frente à
casa no final da tarde para o princípio da noite, mas não sei a hora que se
recolhem.
Imagino que a trupe deve estudar no período matutino, pois
nunca a vejo quando saio para a primeira caminhada do dia, geralmente para
comprar pão na padaria do Alcântara. Aliás, para quem gosta de pão de queijo
com queijo de verdade, recomendo. Tanto é que não consigo resistir e como dois
ou três no caminho de volta. Mas deixemos as papilas gustativas de lado e
voltemos à história.
A referida residência, ao contrário das demais, foi construída
no fundo do terreno. Não sei se foi por preferência de quem a planejou ou,
então, foi distração do engenheiro. Seja como for, tal detalhe parece-me
fundamental, pois, do contrário, provavelmente não saberia da existência dessas
crianças no local. É que, na certa, as brincadeiras se dariam atrás da propriedade.
Algo que me intriga é que as crianças sempre estão de roupas
novas, menos o menor, que, geralmente, encontra-se apenas de fralda. Não sei
até que horas ficam na frente da casa, mas não deve ser até muito tarde. É que
não gosto muito de sair à noite.
Logo após a novela, me recolho. Leio duas ou
três poesias, geralmente do Drumonnd ou do Daniel Marchi, e durmo sem ter
certeza de que acordarei na manhã seguinte. Até hoje não morri, mas sei que um
dia vou fazer companhia ao meu finado marido no cemitério.
Todavia, deixemos essa conversa mórbida de
lado, pois o causo desses meninos me intriga. É que todos os dias, quando vou
comprar pão de queijo na padaria, ao passar em frente àquela casa, percebo um
pequeno monte de roupas na calçada. Entretanto, ao retornar, o monte
sumiu.
Será que os adultos daquela casa não gostam de
lavar roupas? Joana, minha vizinha, me disse que, há muito tempo, conheceu uma
família assim. Ela me contou que o povo não comprava nem sabão em pó, pois
preferia jogar tudo fora. Será que essas crianças são parentes daquela gente?
Não sei se um dia descobrirei tal mistério. Na verdade, nunca tive vocação para fuxiqueira. Mas, caso você descubra algo, não se esqueça de me contar.
- Nota de esclarecimento: O conto "O mistério das roupas novas" foi publicado por Notibras no dia 9/7/2024.
- https://www.notibras.com/site/misterio-das-roupas-novas-de-criancas-intriga-vizinha/
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