A dama havia acabado de se mudar para um prédio na folclórica
quadra 312 da Asa Norte, em Brasília. Logo foi notada por todos, e isso não é
exagero. Até mesmo dona Pérola, cuja catarata avançada a impedia de reconhecer os
próprios netos, não ficou alheia à nova moradora. Tanto é que sentiu um misto
de ciúme e desejo reprimido desde que fora desposada pelo Antônio na década de
1970.
Sem coragem para investir em possível romance, dona Pérola
resolveu juntar forças com as matronas do condomínio a fim de proteger os
respectivos maridos, bem como colocar um fim na provável ameaça. Coube, então,
convidar a Alícia para um café de fim de tarde no apartamento de Dolores, uma
das mais antigas residentes.
O evento aconteceu em um sábado chuvoso.
Alícia, que até pensou em desistir de comparecer, achou por bem evitar tentar a
sorte lá fora, ainda mais porque havia risco de alagamento nas tesourinhas, o
que costuma dificultar o trânsito na capital.
Mal entrou no apartamento da Dolores, foi
recepcionada esfuziantemente por todas. Afinal, o pensamento era de que se não
dá para vencê-la, junte-se a ela. E foi imbuído desse espírito que a conversa
teve início.
— Alícia, seja muito
bem-vinda ao nosso prédio.
— Muito obrigada, dona
Dolores.
— Por favor, não me chame de dona, que assim
você me deixa ainda mais velha do que sou.
— Ah, desculpe! A senhora... Quer dizer, você ainda é muito
jovem, Dolores.
Papo vai, papo vem, as mulheres começaram a se simpatizar de
verdade com Alícia. Mas eis que a Pérola fez questão de lembrar a todas o
verdadeiro objetivo daquele café.
— Alícia, cadê o seu marido?
— Marido? Que marido o quê, Pérola?
— Ué, uma moça tão bonita que nem você precisa casar.
— Nãããããoooo!!!
— Ué, não gosta da fruta?
— Amoooo!!!
— Então?
— Então o quê, Dolores?
— Por que não se casa, mulher?
— Ih, Dolores! Não troco o meu forrozinho por homem nenhum.
Como já deu para perceber, o plano arquitetado pela Pérola
não funcionou. Aliás, diria até que saiu pela culatra. É que, após o término,
quando a Alícia e duas outras convidadas, a Amélia e a Lucinda, ambas octogenárias,
já dentro do elevador para retornarem aos respectivos apartamentos, tiveram o
seguinte interlúdio.
— Alícia, a Lucinda e eu queríamos te perguntar uma
coisa.
— Pois pergunte.
— É que...
— Hum?
— Ah, fale você, Lucinda, que não tenho coragem.
— Sabe, Alícia?
— Só vou saber se você me falar, Lucinda.
— Ah, é que nós queremos saber se você pode nos levar nesse forrozinho da próxima vez.
- Nota de esclarecimento: O conto "O plano da dona Pérola" foi publicado no Notibras no dia 14/12/2025.
- https://www.notibras.com/site/o-plano-da-dona-perola/

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