sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

A misteriosa chuva de cartas

 

          Todos ali naquele vilarejo aguardavam pela chuva, que não dava as caras há quase dois anos, como se Deus estivesse testando a fé daquela gente. Ajoelhados ao lado da cama, os moradores suplicavam, enquanto a lavoura se perdia naquela seca, que parecia não ter fim. Foi então que algo aconteceu em mais uma manhã ensolarada, o que causou espanto em muitos, admiração em outros e desconfiança em alguns.

          Em vez da tão esperada água, o povo viu envelopes de cartas caindo do céu. Sim, inúmeras, centenas, milhares de correspondências, todas sem remetente e com destinatário a quem pudesse interessar.

          Laura, mãe de quatro crianças arteiras, não tinha tempo disponível para ler. Mesmo assim, talvez por curiosidade ou receio de perder oportunidade de algo desconhecido, tratou de catar um envelope antes mesmo dele cair no chão. Guardou-o no bolso da saia e retornou para casa, onde havia muita coisa para ser feita naquela manhã. 

          Juvenal, já passado dos 80 anos, viu aquilo como insanidade e, por isso, retornou para sua residência antes que a loucura o atingisse. Assim que entrou em casa, passou a chave na porta e cerrou as janelas. Foi só quando tirou o casaco e o pendurou no gancho preso à parede que percebeu que um sorrateiro envelope havia se instalado em um dos bolsos.

          Juliana e Dionísio, casal que andava às turras por coisas que nem se lembrava, também pegaram, cada um, um envelope. Intrigados, nem sabiam por que haviam feito aquilo. Talvez pelo simples motivo de não querer ficar fora de algo que poderia mudar seus destinos. Mas uma carta? Como um mero pedaço de papel teria a capacidade de transformar vidas? Bobagem. 

        Ninguém ficou de fora. Um envelope para cada um dos quase três mil moradores. Como aquilo era possível? O mais incrível é que, ao abrirem as missivas, eles constataram que as cartas lhe eram direcionadas. E nada de mensagens aleatórias, não apenas por dizerem coisas específicas, mas por citarem os nomes de cada um dos destinatários. 

          Não se sabe se foi por impulso, curiosidade ou suspeita de que se tratava de algo grandioso, mas todos resolveram responder as cartas. E foi o que fizeram e, não se sabe por qual razão, decidiram colocar todos os envelopes empilhados no meio da única praça da pequena vila. 

          Os dias passaram e nada. Foi aí que o pequeno Francisco, filho da Laura, resolveu contar os envelopes. Achou estranho, mas talvez tivesse errado na conta. Pediu ajuda à Lúcia, a irmã mais sábia. Realmente estava faltando uma carta. 

          Não tardou, as crianças descobriram que havia sido o velho Juvenal o ausente. Não se sabe se teria sido por esquecimento ou implicância, o sujeito ainda não tinha aberto o seu envelope, que continuava no bolso do seu casaco, que ainda estava pendurado no gancho preso à parede. 

          Decididos, Francisco e Lúcia foram bater à porta do antigo morador. Eles questionaram Juvenal, que achou aquilo uma tremenda baboseira. Seja como for, finalmente resolveu abrir o tal envelope, leu a mensagem e, impactado com aquelas palavras, pegou papel e lápis e, compulsivamente, escreveu, escreveu, escreveu...

          Missiva escrita, lá foram Francisco, Lúcia e o agora animado Juvenal depositarem o envelope lacrado sobre a pilha dos outros milhares. E todos os moradores se aproximaram, como se aguardassem algo grandioso acontecer. Aquele mundaréu de olhos fixos naquelas cartas. Nada. Nada parecia acontecer, até que alguém disse que aquilo tudo era um completo despropósito.

          Quando a multidão começou a se dispersar, eis que um redemoinho se formou do nada. Assustada, aquela gente não conseguiu se mover. E o redemoinho, impávido, se aproximou e se apoderou do monte de cartas e as levou embora. 

           Boquiabertas, as pessoas não acreditavam no que haviam acabado de assistir até que as suas faces começaram a sentir os primeiros pingos de chuva. E, felizes, sorriram.

  • Nota de esclarecimento: O conto "A misteriosa chuva de cartas" foi publicado no Notibras no dia 19/12/2025.
  • https://www.notibras.com/site/a-misteriosa-chuva-de-cartas/

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