segunda-feira, 1 de julho de 2024

Valdir Peixoto, o vendedor de peixe

    

         Valdir Peixoto, apesar de não ser pescador, vendia peixe na feira da avenida Santos Dumont, em Caxias, famosa por ser o local de nascimento de Gonçalves Dias, um dos maiores poetas brasileiros, que chorava mágoas de saudade da terra natal. No entanto, Peixoto não precisava ir muito longe para buscar a mercadoria e vendê-la a preços justos, que lhe garantiam o ganha-pão.

          De tilápia a tambaqui, piau a piaba, o homem vendia até traíra, mas sem trairagem. E tudo ao gosto do freguês. Se quisesse inteiro, levava inteiro. Se preferisse limpo, Peixoto tirava as tripas, que eram logo devoradas pelos bichanos que ficavam de olho. 

          Tudo na maior harmonia, apesar do odor que não deixava dúvida sobre a mercadoria vendida. Tanto é que, quando alguém, marinheiro de primeira viagem, não soubesse onde ficava a barraca do Peixoto, bastava seguir o cheiro característico e, não falhava, logo estaria diante daquele mundaréu de peixes. 

          Último peixe vendido, o feirante recolhia as tralhas e voltava para casa com um sorriso no rosto e o bolso cheio de notas. Mal pisava na varanda, lá estava a esposa, Martinha, mão estendida, pronta para contar os ganhos do dia.

A mulher retirava uma ou duas cédulas e as devolvia pro marido, que se dava por satisfeito. Dinheiro que seria pro cigarro, mas o homem há tempos havia parado de fumar. Dessa feita, a quantia era guardada numa lata sobre a geladeira, pois, não raro, despesas de última hora apareciam.

          Mas deixemos esses acordos matrimoniais de quem administra o dinheiro da família, mesmo porque o que aconteceu por esses dias não está ligado diretamente a isso. Pois bem, lá estava o Peixoto na feira atendendo seus clientes, a maioria de longa data. E, para sorte ou azar do feirante, apareceu um tipo até então desconhecido. 

          De terno e gravata e carregando uma maleta, o sujeito lançou aquele olhar sobre a mercadoria exposta, pincelou as escamas de um dos peixes. Levou o dedo próximo à narinas e, pela cara feia, parece não ter gostado do cheiro. Peixoto não deu muita trela para o homem, já que a clientela parecia ter marcado encontro diante da banca, tamanha a profusão de peixes que estava sendo vendida naquele momento. Todavia, a criatura fez questão de puxar conversa com o feirante.

          — Senhor, tenho aqui uma fragrância para melhorar o cheiro da sua mercadoria. O frasco com meio litro é 500 reais, mas hoje estou com uma promoção de cair o queixo. 

          Peixoto olhou aquele homem nos olhos, mas logo virou o rosto e voltou a atender os clientes. Entretanto, o engomadinho não se fez por vencido.

          — Cem reais! O senhor acredita nisso?

          — Moço, vá procurar outro pra vender o seu peixe, e me deixa vender o meu. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Valdir Peixoto, o vendedor de peixe" foi publicado por Notibras no dia 1/7/2024.
  • https://www.notibras.com/site/valdir-peixoto-vendedor-de-peixe-de-cheiro-puro/

A manicure e o cabeleireiro

    

Graça, manicure de mão-cheia, queria expandir os negócios. Abrir um salão de beleza era o sonho da mulher, que até ganhava bem por conta de tanta pintura caprichada nas unhas das inúmeras clientes, muitas até que se deslocavam do outro lado da cidade para serem atendidas pela afamada profissional. Aliás, manicure e pedicure, pois Graça se destacava entre as melhores.

          A garota precisava encontrar um sócio, de preferência que fosse bom com a tesoura para remodelar a cabeça das clientes, enquanto ela dava aquele trato em mãos e pés. Não sobraria cutícula sobre cutícula, tamanha a ligeireza de Graça. Encheriam os alforjes de notas graúdas e, certamente, teriam que abrir filiais por toda a cidade, quiçá pelo estado inteirinho. 

          Acordou decidida naquela manhã a encontrar alguém que topasse a empreitada. Obviamente que precisava achar uma pessoa com economias. Nem precisava muito, mas o suficiente para bancar o aluguel por alguns meses. 

          Por conta de um desses fortuitos, Graça foi convidada para um churrasco no bairro vizinho. E, durante um samba e outro, a mulher parou um pouco para descansar. Sentou-se ao lado do Olavo, que logo puxou conversa.

          — Mas, mulher, você tem samba nos pés!

          — Obrigada! 

          — Qual é a sua graça?

          — E não é que você adivinhou?

          — Como assim?

          — Meu nome é Graça.

          O casal de última hora caiu na gargalhada, o que poderia ter chamado a atenção de todos na festa. No entanto, apenas Rômulo, que há tempos estava de olho na manicure, percebeu que não seria daquela vez que chegaria na mulher para tentar a sorte. Bobeou, dançou! Fica pra próxima!

          Graça e Olavo, que perceberam algumas coisas em comum, engataram um namorico, que logo se transformou em romance. Ele, cabeleireiro talentoso, havia sido demitido do último emprego por um descuido. É que ele atendeu duas clientes morenas, ambas com cabelos encaracolados. A primeira queria ficar loira, enquanto a outra desejou apenas alisar as madeixas. E lá foi o cabeleireiro preparar os produtos,

          — Graça, estava tudo certo. O serviço ficaria pronto em menos de duas horas, já contando o tempo da fofoca. Mas eis que aconteceu uma coisa.

          — O que houve, meu amor?

          — Fiquei tão entretido com a conversa, que acabei alisando a que queria ficar loira, enquanto taquei tinta amarela na outra. Foi o maior bafafá!

          — Nossa! Só espero que isso não aconteça quando tivermos o nosso salão.

          — Ah, pode ficar tranquila. 

          — Que bom!

          — Isso é raríssimo. Se bem que acontece sempre.

  • Nota de esclarecimento: O conto "A manicure e o cabeleireiro" foi publicado por Notibras no dia 1/7/2024.
  • https://www.notibras.com/site/roda-de-samba-une-casal-para-construir-seu-futuro/