Padoca do Ernesto. Era esse o nome da mais afamada padaria do bairro. A fila dobrava o quarteirão, mas valia a pena cada minuto esperado, já que o pão de sal era, de longe, o mais apetitoso da região. Tanto é que, não raro, as pessoas já degustavam tamanha iguaria no caminho de volta.
Ernesto, o dono da panificadora, apesar do lucro cada vez
maior, andava aborrecido com Cláudio, o padeiro. É que o sujeito, apesar de
tarimbado na lida dos ingredientes do produto mais vendido, não era muito
afeito a horários, ainda mais quando se enrabichava para o lado de alguma
moçoila formosa. Ih, aí é que as desculpas pelos atrasos eram as mais
esdrúxulas.
— Cláudio, atrasado de novo?
— Seu Ernesto, o senhor não vai acreditar.
— Pois, então, nem perca o seu tempo e, também, não me faça
perder o meu com essas suas desculpas esfarrapadas.
— Hum! Mas minha tia morreu.
— A que era a única irmã da sua mãe?
— Essa mesma. Que tristeza! Mamãe tá desolada.
— Cláudio, mas essa sua tia já não tinha morrido no mês
passado?
Cansado dos constantes atrasos, o dono da padaria não teve
outra alternativa senão mandar o funcionário embora. Todavia, mal sabia
Ernesto, as vendas despencaram desde então. E olha que ele até baixou o preço,
o que não causou muito efeito.
O comerciante, temendo pelo pior, desabafou
com dona Regina, cliente de longa data. A mulher havia sumido do
estabelecimento, e Ernesto a encontrou, por acaso, na rua.
— Dona Regina, como vai a senhora?
— Vou bem, obrigada. E o senhor?
— Não muito bem.
— O que houve, homem?
— Acho que vou ter que fechar as portas da
padaria.
— Até sei o motivo.
— Sabe?
— Sim.
— E qual é?
— O pão.
—
O pão?
— É.
— E o que tem o pão?
— O pão não é bom.
— Não?
— Seu Ernesto, não sei se o senhor trocou o
padeiro, mas o pão está horrível.
— Mas pão é pão. É tudo igual.
— Pois lhe digo que o senhor está redondamente
enganado.
— Conversa! Os ingredientes são os mesmos,
dona Regina.
— Podem até ser, seu Ernesto, mas o suor do outro
padeiro era melhor.
Diante de tamanha revelação, o dono da padaria
não teve escolha. Foi atrás do Cláudio, que já estava trabalhando na
concorrente, que ficava no bairro ao lado. E, após negociações, que envolveram
até substancial aumento salarial, conseguiu convencer o melhor padeiro da
região a voltar.
A Padoca do Ernesto voltou a ser frequentada
como antes, os lucros cada vez maiores. Quanto aos atrasos, eles ainda
acontecem. Cláudio inventa uma desculpa qualquer, Ernesto finge acreditar,
inclusive quando o padeiro esquece que já matou a tia pelo menos quatro
vezes.
- Nota de esclarecimento: O conto "Padoca do Ernesto" foi publicada por Notibras no dia 16/6/2025.
- https://www.notibras.com/site/cansado-de-desculpas-esfarrapadas-ernesto-decide-enfim-demitir-padeiro/
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