segunda-feira, 16 de junho de 2025

Padoca do Ernesto

    

          Padoca do Ernesto. Era esse o nome da mais afamada padaria do bairro. A fila dobrava o quarteirão, mas valia a pena cada minuto esperado, já que o pão de sal era, de longe, o mais apetitoso da região. Tanto é que, não raro, as pessoas já degustavam tamanha iguaria no caminho de volta.    

          Ernesto, o dono da panificadora, apesar do lucro cada vez maior, andava aborrecido com Cláudio, o padeiro. É que o sujeito, apesar de tarimbado na lida dos ingredientes do produto mais vendido, não era muito afeito a horários, ainda mais quando se enrabichava para o lado de alguma moçoila formosa. Ih, aí é que as desculpas pelos atrasos eram as mais esdrúxulas.

          — Cláudio, atrasado de novo?

          — Seu Ernesto, o senhor não vai acreditar.

          — Pois, então, nem perca o seu tempo e, também, não me faça perder o meu com essas suas desculpas esfarrapadas.

          — Hum! Mas minha tia morreu.

          — A que era a única irmã da sua mãe?

          — Essa mesma. Que tristeza! Mamãe tá desolada.

          — Cláudio, mas essa sua tia já não tinha morrido no mês passado?

          Cansado dos constantes atrasos, o dono da padaria não teve outra alternativa senão mandar o funcionário embora. Todavia, mal sabia Ernesto, as vendas despencaram desde então. E olha que ele até baixou o preço, o que não causou muito efeito. 

          O comerciante, temendo pelo pior, desabafou com dona Regina, cliente de longa data. A mulher havia sumido do estabelecimento, e Ernesto a encontrou, por acaso, na rua.

          — Dona Regina, como vai a senhora?

          — Vou bem, obrigada. E o senhor?

          — Não muito bem.

          — O que houve, homem?

          — Acho que vou ter que fechar as portas da padaria.

          — Até sei o motivo.

          — Sabe?

          — Sim.

          — E qual é?

          — O pão.

          — O pão?       

— É.

          — E o que tem o pão?

          — O pão não é bom.

          — Não?

          — Seu Ernesto, não sei se o senhor trocou o padeiro, mas o pão está horrível.

          — Mas pão é pão. É tudo igual.

          — Pois lhe digo que o senhor está redondamente enganado.

          — Conversa! Os ingredientes são os mesmos, dona Regina.

          — Podem até ser, seu Ernesto, mas o suor do outro padeiro era melhor.  

          Diante de tamanha revelação, o dono da padaria não teve escolha. Foi atrás do Cláudio, que já estava trabalhando na concorrente, que ficava no bairro ao lado. E, após negociações, que envolveram até substancial aumento salarial, conseguiu convencer o melhor padeiro da região a voltar.

          A Padoca do Ernesto voltou a ser frequentada como antes, os lucros cada vez maiores. Quanto aos atrasos, eles ainda acontecem. Cláudio inventa uma desculpa qualquer, Ernesto finge acreditar, inclusive quando o padeiro esquece que já matou a tia pelo menos quatro vezes. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Padoca do Ernesto" foi publicada por Notibras no dia 16/6/2025.
  • https://www.notibras.com/site/cansado-de-desculpas-esfarrapadas-ernesto-decide-enfim-demitir-padeiro/

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