Para evitar esses perrengues, a mulher, quase
sempre, seguia fielmente a dieta, o que garantia o bom funcionamento do trato
digestório. O problema era quando o diabinho da tentação dava um nó tático no
anjinho da razão. Iranilde até fingia certa tenência, o que poderia enganar os
mais desavisados, até que ela tentava enganar a si mesma, como se apenas uma beliscadinha
não fosse fazê-la entrar em apuros. Só que, de beliscadinha em beliscadinha, o
que estava sob controle se tornava calamidade.
Maria Alice, sobrinha e afilhada de Iranilde,
havia sido convidada para a festa de aniversário de uma das colegas da escola.
No entanto, os pais precisaram viajar às pressas e, então, a tarefa de levar a
menina ficou a cargo da tia. Aliás, tia e madrinha, que, segundo consta nos
anais das famílias mais tradicionais, vale mais até do que avó.
Como a menina não poderia ficar sozinha, Iranilde assumiu a tutela
durante o final de semana. Tudo parecia pura felicidade, já que as duas se
davam muito bem. Por isso mesmo, Maria Alice adorou a ideia de a madrinha
levá-la para a festinha.
Assim que Iranilde e Maria Alice chegaram, a garota correu
para brincar com as outras crianças. Enquanto isso, a tia foi convidada para se
sentar à mesa de alguns adultos. Educadamente, recusou um copo de cerveja,
pois, responsável que era, iria dirigir. Mas aceitou de bom grado refrigerante
e salgadinhos sortidos. A empadinha, então, estava uma delícia.
O bate-papo também não estava
ruim, o que ajudou a fazer com que o tempo voasse. E, não tardou, logo chegou a
hora de cantar parabéns para a Verônica, a aniversariante. Nove anos, a mesma
idade da Maria Alice.
Depois de assoprar as velinhas, o enorme bolo
de chocolate, com aquelas coberturas cremosas e recheado de doce de leite, foi
servido em generosas fatias aos convidados. Iranilde até tentou dizer não, mas
eis que aquele tal diabinho da tentação deu uma bicuda no anjinho da razão. Da
primeira dentada, não tardou, a mulher já estava no terceiro pedaço. Só não
lambeu os dedos porque estava na frente de adultos, mas vontade não
faltou.
Final de festa, Maria Alice foi passar o resto
do sábado e o domingo na casa da tia. E, assim que estacionou o automóvel,
Iranilde apertou o passo, sendo seguida pela sobrinha, que imaginou que aquilo
fosse mais uma brincadeira. Que nada! Mal abriu a porta do apartamento, a
mulher correu para o banheiro, enquanto a menina, da sala, teve que ouvir todos
aqueles estrondos.
Quando os pais chegaram para buscar a Maria Alice, foi
aquele festival de beijos, abraços e sorrisos.
— E aí, minha filha, como foi o final de
semana com a sua tia?
— Mamãe, a tia Iranilde é muito legal!
— E como foi a festa?
— Foi show!
— E o bolo era de chocolate?
Maria
Alice, que estava no colo da Iranilde, sorriu aquele sorriso de menina
perspicaz.
— De chocolate e dor de barriga, né, titia?
- Nota de esclarecimento: O conto "Iranilde e a intolerância à lactose" foi publicado por Notibras no dia 19/6/2025.
- https://www.notibras.com/site/iranilde-coitada-sofre-com-intolerancia-a-lactose/
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