Com
o tempo, a graça parece que foi fazer uma viagem só de ida. Se bobeasse, apenas
um breve beijo na testa e uma troca de fatias amanteigadas de pão dormido.
Afinal, quem se importa com essas datas, a não ser os tolos e o comércio?
—
Não, não e não, mamãe!
—
Hum! Você fala isso porque mal saiu da lua de mel, Silvana.
—
Pois a senhora e o papai precisam manter a chama do amor acesa.
—
Que chama o quê!? Aqui não tem nem mais faísca.
—
Ah, mamãe! Pois vamos comemorar todo mundo junto!
—
Melhor você comemorar com o seu marido, que vou ficar com o meu velho aqui em
casa mesmo.
—
Que nada! Vamos todos sair para jantar fora. Tá decidido e pronto!
Sem
disposição para entrar em atrito com a caçula, Maria Tereza aceitou o convite,
ainda mais porque andava com atrito com o primogênito, Luciano, que há tempos
era acometido pelos males do alcoolismo, inclusive com acessos de fúria, que,
até então, eram apaziguados pelos familiares.
Pois
bem, quando a noite ainda era uma criança, Silvana e o esposo, Rogério,
chegaram à casa dos pais. Maria Tereza, sempre prática, já estava arrumada,
enquanto Julião parecia indeciso se colocava ou não gravata.
—
Papai, o senhor já usou gravata durante tantos anos pra ir trabalhar. Vá sem, fica
até mais charmoso.
— Você acha mesmo,
Maria Tereza?
— Acho, não. Tenho
certeza!
Assim que os dois
casais estavam para sair, eis que a campainha tocou. Julião abriu e se deparou
com o filho, garrafa na mão, totalmente embriagado.
— Luciano, meu
filho, o que houve?
— Você não é meu
pai, seu falso!
— Não fale assim com
o seu pai, Luciano!
— A senhora nunca me
amou. Sempre preferiu a Silvana.
— Ô, Luciano,
estamos de saída. Depois você aparece pra torrar a nossa paciência, tá?
— Ah, Silvana, pra
você é fácil, né?
Do bate-boca, a coisa passou para a ameaça de agressão física. Luciano,
quebrou a garrafa no portal e apontou o gargalo para todos. Maria Tereza, a
única com autoridade em relação ao filho, não se intimidou.
— Larga isso,
Luciano!
— Vem, vem, que a
senhora vai ver o que vai acontecer.
— Calma, aí, Luciano!
— Sai da frente,
Rogério, se não vai sobrar pra você também.
Sem perda de tempo, Silvana telefonou para a polícia, que compareceu
ao local com certa rapidez. Luciano foi desarmado, algemado e colocado no
cubículo do camburão. Julião, abalado com a prisão do filho, ainda quis
dissuadir a esposa e a filha para deixarem aquilo para lá, mas foi prontamente
censurado.
— Julião, meu amor,
daqui a pouco o nosso filho se torna um assassino.
— Mas, Maria
Tereza...
— Pai, por favor, o
senhor viu o que quase aconteceu.
Diante
dos argumentos, o velho não teve escolha a não ser acatar a decisão das
mulheres da família. Entretanto, preferiu não acompanhar os policiais até a
delegacia. Tal tarefa coube à esposa, à filha e ao genro.
Um
turbilhão de sentimentos tomou conta de Maria Tereza, apesar de tentar encarar
a situação com naturalidade. Ela sabia que prisão não iria resolver o grave
problema de alcoolismo do filho, mas, tentando não apenas se proteger, como
também o marido e a filha, carregou consigo a certeza de estar fazendo o melhor
naquele momento. Ao menos, por algum tempo, estariam a salvo.
O procedimento na
delegacia adentrou a madrugada à frente e, quando viram, já estava perto das
3h. E, enquanto o delegado tomava o depoimento de Rogério, mãe e filha, que já
haviam sido ouvidas, conversavam na sala ao lado.
— A senhora tá bem?
— Como posso estar
bem, minha filha?
— É.
— E pensar que a nossa comemoração do Dia dos Namorados pudesse ser
assim, hein?
— Hum! Nem me fale, mamãe.
—
Pelo menos, você está com o seu namorado. Pior fiquei eu, que o meu namorado está
em casa e, provavelmente, roncando. Sem falar que o meu filho vai ver o Sol
nascer quadrado logo mais.
- Nota de esclarecimento: O conto "O improvável Dia dos Namorados da Maria Tereza" foi publicado por Notibras no dia 22/6/2025.
- https://www.notibras.com/site/o-improvavel-mesmo-tendo-ficado-para-tras-dia-dos-namorados-da-maria-tereza/
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