domingo, 22 de junho de 2025

O improvável Dia dos Namorados da Maria Tereza

        

        Dia dos Namorados, mesmo após anos de casados, era algo a se comemorar, segundo dizia Maria Tereza ao marido, Julião. Entretanto, a mulher, no seu íntimo, pensava que, quando jovem, tudo era feito com mais entusiasmo, como se as datas festivas tivessem mais valor. Para comprovar tal pensamento, bastava rememorar as comemorações de há duas, três décadas, quando jantares à luz de vela eram tão costumeiros. 

          Com o tempo, a graça parece que foi fazer uma viagem só de ida. Se bobeasse, apenas um breve beijo na testa e uma troca de fatias amanteigadas de pão dormido. Afinal, quem se importa com essas datas, a não ser os tolos e o comércio?

          — Não, não e não, mamãe!

          — Hum! Você fala isso porque mal saiu da lua de mel, Silvana.

          — Pois a senhora e o papai precisam manter a chama do amor acesa.

          — Que chama o quê!? Aqui não tem nem mais faísca.

          — Ah, mamãe! Pois vamos comemorar todo mundo junto! 

          — Melhor você comemorar com o seu marido, que vou ficar com o meu velho aqui em casa mesmo.

          — Que nada! Vamos todos sair para jantar fora. Tá decidido e pronto!

          Sem disposição para entrar em atrito com a caçula, Maria Tereza aceitou o convite, ainda mais porque andava com atrito com o primogênito, Luciano, que há tempos era acometido pelos males do alcoolismo, inclusive com acessos de fúria, que, até então, eram apaziguados pelos familiares. 

          Pois bem, quando a noite ainda era uma criança, Silvana e o esposo, Rogério, chegaram à casa dos pais. Maria Tereza, sempre prática, já estava arrumada, enquanto Julião parecia indeciso se colocava ou não gravata.

          — Papai, o senhor já usou gravata durante tantos anos pra ir trabalhar. Vá sem, fica até mais charmoso. 

           — Você acha mesmo, Maria Tereza?

           — Acho, não. Tenho certeza!

           Assim que os dois casais estavam para sair, eis que a campainha tocou. Julião abriu e se deparou com o filho, garrafa na mão, totalmente embriagado. 

            — Luciano, meu filho, o que houve?

            — Você não é meu pai, seu falso!

            — Não fale assim com o seu pai, Luciano!

            — A senhora nunca me amou. Sempre preferiu a Silvana.

            — Ô, Luciano, estamos de saída. Depois você aparece pra torrar a nossa paciência, tá?

            — Ah, Silvana, pra você é fácil, né? 

          Do bate-boca, a coisa passou para a ameaça de agressão física. Luciano, quebrou a garrafa no portal e apontou o gargalo para todos. Maria Tereza, a única com autoridade em relação ao filho, não se intimidou.

           — Larga isso, Luciano!

           — Vem, vem, que a senhora vai ver o que vai acontecer.

           — Calma, aí, Luciano!

           — Sai da frente, Rogério, se não vai sobrar pra você também. 

          Sem perda de tempo, Silvana telefonou para a polícia, que compareceu ao local com certa rapidez. Luciano foi desarmado, algemado e colocado no cubículo do camburão. Julião, abalado com a prisão do filho, ainda quis dissuadir a esposa e a filha para deixarem aquilo para lá, mas foi prontamente censurado.

           — Julião, meu amor, daqui a pouco o nosso filho se torna um assassino.

           — Mas, Maria Tereza...

           — Pai, por favor, o senhor viu o que quase aconteceu. 

          Diante dos argumentos, o velho não teve escolha a não ser acatar a decisão das mulheres da família. Entretanto, preferiu não acompanhar os policiais até a delegacia. Tal tarefa coube à esposa, à filha e ao genro.

          Um turbilhão de sentimentos tomou conta de Maria Tereza, apesar de tentar encarar a situação com naturalidade. Ela sabia que prisão não iria resolver o grave problema de alcoolismo do filho, mas, tentando não apenas se proteger, como também o marido e a filha, carregou consigo a certeza de estar fazendo o melhor naquele momento. Ao menos, por algum tempo, estariam a salvo.

          O procedimento na delegacia adentrou a madrugada à frente e, quando viram, já estava perto das 3h. E, enquanto o delegado tomava o depoimento de Rogério, mãe e filha, que já haviam sido ouvidas, conversavam na sala ao lado.

           — A senhora tá bem?

           — Como posso estar bem, minha filha?

           — É.

          — E pensar que a nossa comemoração do Dia dos Namorados pudesse ser assim, hein?

          — Hum! Nem me fale, mamãe.

          — Pelo menos, você está com o seu namorado. Pior fiquei eu, que o meu namorado está em casa e, provavelmente, roncando. Sem falar que o meu filho vai ver o Sol nascer quadrado logo mais. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "O improvável Dia dos Namorados da Maria Tereza" foi publicado por Notibras no dia 22/6/2025.
  • https://www.notibras.com/site/o-improvavel-mesmo-tendo-ficado-para-tras-dia-dos-namorados-da-maria-tereza/

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