sábado, 7 de junho de 2025

Orlando, o destemperado

       

          Insensatez parece que é algo que foi deixado para trás na vida de Orlando, hoje perto de completar 80 anos. A festa, tão aguardada por familiares e amigos, acontecerá no próximo sábado, na aprazível praia de Itapuama, em Cabo de Santo Agostinho, mesmo que o aniversário seja depois de amanhã, terça-feira. 

          Desatino, todavia, foi algo peculiar no dia a dia do velho, que, algumas vezes, quase sentiu o fio da navalha. Uma dessas ocasiões aconteceu quando o gajo andava com seus 36 anos e, então, podia contar com um físico até invejável, fruto de regulares levantamentos de halteres. 

          Era domingo, e lá foi o sujeito acompanhar a esposa, Maria Lúcia, ao mercado. Por situação já esquecida, o casal estava sem carro, que talvez estivesse na oficina ou, então, resolveu caminhar de mãos dadas naquela manhã ensolarada. Ademais, o estabelecimento ficava a apenas duas quadras. 

          Compra do mês, era aquele mundaréu de coisas. Como o supermercado fazia entrega em domicílio, Maria Lúcia e Orlando trouxeram apenas os perecíveis para a casa, deixando o restante, que, segundo informação da operadora do caixa, seria entregue em não mais de meia hora. Diante disso, eles nem pegaram o leite em pó do pequeno Alexandre, já que, segundo os cálculos da esposa, ainda havia em casa quantidade para uma ou duas mamadeiras.

          Meia hora que nada! Já final de tarde, quando, finalmente, o entregador apareceu. Questionado por Orlando, o sujeito respondeu que havia feito as entregas mais longe primeiro.

          — A moça disse que você entregaria as compras em meia hora.

          — Meu senhor, eu entrego na hora que eu quero, não é na hora que você quer.

          — Ah, é? Pois meu filho tá chorando porque precisa mamar.

          — Problema seu, meu amigo!

          Ih, pra quê? Orlando, confiante na superioridade física, não teve dúvida e embolachou a cara do homem. Tamanha foi a humilhação, mas não querendo apanhar mais do adversário notoriamente mais forte, eis que o entregador correu até a Kombi e meteu a mão no porta-luvas. Por sorte, Orlando conseguiu impedir que ele pegasse o revólver. 

          Maria Lúcia, atônita, ainda assim foi capaz de raciocinar e tomou a arma das mãos do marido. Tratou de retirar as seis balas e, em seguida, devolveu o revólver ao dono.

          — Tá aqui, meu senhor. 

          O entregador pegou a arma, entrou no veículo e, antes de ir embora, gritou:

          — Não te mato agora porque sua esposa tirou as balas, mas pode demorar o tempo que demorar, que este tapa vai custar a sua vida. 

     Cidade pequena, as pessoas ficaram sabendo de tudo. O casal não denunciou o acontecido na delegacia. Entretanto, levou tempo para andar novamente tranquilo. Seja como for, Maria Lúcia, até hoje, ainda guarda as seis balas dentro da gaveta de meias da cômoda.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Orlando, o destemperado" foi publicado por Notibras no dia 7/6/2025.
  • https://www.notibras.com/site/atraso-do-mercado-na-entrega-de-compra-quase-acaba-em-tragedia-em-pernambuco/

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