Desatino, todavia, foi algo peculiar no dia
a dia do velho, que, algumas vezes, quase sentiu o fio da navalha. Uma dessas
ocasiões aconteceu quando o gajo andava com seus 36 anos e, então, podia contar
com um físico até invejável, fruto de regulares levantamentos de
halteres.
Era domingo, e lá foi o sujeito acompanhar a esposa, Maria
Lúcia, ao mercado. Por situação já esquecida, o casal estava sem carro, que
talvez estivesse na oficina ou, então, resolveu caminhar de mãos dadas naquela
manhã ensolarada. Ademais, o estabelecimento ficava a apenas duas
quadras.
Compra do mês, era aquele mundaréu de coisas.
Como o supermercado fazia entrega em domicílio, Maria Lúcia e Orlando trouxeram
apenas os perecíveis para a casa, deixando o restante, que, segundo informação
da operadora do caixa, seria entregue em não mais de meia hora. Diante disso,
eles nem pegaram o leite em pó do pequeno Alexandre, já que, segundo os
cálculos da esposa, ainda havia em casa quantidade para uma ou duas mamadeiras.
Meia hora que nada! Já final de tarde, quando,
finalmente, o entregador apareceu. Questionado por Orlando, o sujeito respondeu
que havia feito as entregas mais longe primeiro.
— A moça disse que você entregaria as compras
em meia hora.
— Meu senhor, eu entrego na hora que eu quero,
não é na hora que você quer.
— Ah, é? Pois meu filho tá chorando porque
precisa mamar.
— Problema seu, meu amigo!
Ih, pra quê? Orlando, confiante na
superioridade física, não teve dúvida e embolachou a cara do homem. Tamanha foi
a humilhação, mas não querendo apanhar mais do adversário notoriamente mais
forte, eis que o entregador correu até a Kombi e meteu a mão no porta-luvas.
Por sorte, Orlando conseguiu impedir que ele pegasse o revólver.
Maria Lúcia, atônita, ainda assim foi capaz de
raciocinar e tomou a arma das mãos do marido. Tratou de retirar as seis balas
e, em seguida, devolveu o revólver ao dono.
— Tá aqui, meu senhor.
O entregador pegou a arma, entrou no
veículo e, antes de ir embora, gritou:
— Não te mato agora porque sua esposa tirou as
balas, mas pode demorar o tempo que demorar, que este tapa vai custar a sua
vida.
Cidade pequena, as pessoas ficaram sabendo de tudo. O casal não
denunciou o acontecido na delegacia. Entretanto, levou tempo para andar
novamente tranquilo. Seja como for, Maria Lúcia, até hoje, ainda guarda as seis
balas dentro da gaveta de meias da cômoda.
- Nota de esclarecimento: O conto "Orlando, o destemperado" foi publicado por Notibras no dia 7/6/2025.
- https://www.notibras.com/site/atraso-do-mercado-na-entrega-de-compra-quase-acaba-em-tragedia-em-pernambuco/
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