Hoje acordei com cheiro de domingo. Não
qualquer domingo, mas daqueles de enrolar o máximo possível para sair da cama,
pois nada lá fora parece ser mais agradável do que pestanas firmes no propósito
de se manterem solenemente fechadas. E nem preciso sonhar, a não ser se for um
sonho de lençóis amarrotados de tanto dormir. E pensar que hoje ainda é
quarta-feira.
Morar sozinha tem lá suas vantagens.
Todavia, não sei qual a razão, só consigo imaginar as mazelas de tal condição.
Ninguém para me trazer café da manhã na cama. Nem mesmo uma alma caridosa para
me falar que a pilha de louça da semana já foi lavada. Cadê meu chefe, que
ainda não me ligou para contar que hoje não preciso ir trabalhar?
Há tempos que trabalho. E, pode ter
certeza, odeio trabalhar. Mas é um não gostar sem culpa, ao contrário do que
percebo nos meus colegas.
— Ah, Marília, trabalhar
é bom, sim.
— Marília, o trabalho
engrandece o homem. Ah, a mulher também.
— Mas, Marília, o que
seria do mundo sem o trabalho?
— Marília, trabalho
por amor.
Quantas afirmações, uma mais tola do que a
outra. O pior é que esse povo parece acreditar nessas tolices que saem sem
qualquer resquício de vergonha, como papagaio que repete algo, mas, se
perguntar, não tem a menor ideia do que disse.
Trabalho por medo. Medo de não ter onde morar. Medo de não ter o que comer. Medo de não ter dinheiro para ir ao cinema. Medo de não ter como pagar por um livro. Medo de ter a luz e a água cortadas por falta de pagamento. Medo. É simplesmente o medo que me expulsa do conforto da minha cama. Nada além do que o medo.
- Nota de esclarecimento: O conto "Marília, o trabalho e o medo" foi publicado por Notibras no dia 12/6/2025.
- https://www.notibras.com/site/marilia-o-trabalho-e-o-medo-de-deixar-o-emprego/
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