Aluísio conversava com a
consciência refletida no espelho do banheiro, até que, não aguentando mais a
própria fisionomia, apagava a luz e retornava para o quarto. Oito passos, não
mais do que isso, o separavam da cozinha, onde ninguém o impediria de meter a
mão na gaveta de talheres, pegar uma faca e acabar logo com aquilo. Coragem lhe
faltava, pois até ela o abandonara ainda jovem, quando teve certeza da própria
insignificância. Quem ligaria?
—Já tentou?
—Não.
—Nenhuma vez?
—Não.
—Hum.
—Algo de errado nisso, doutor?
—Errado, não, mas incomum, Aluísio.
—Não fazia ideia. O senhor já?
—Várias vezes, quase sempre antes de vir
trabalhar.
—Tem alguma técnica pra isso?
—Técnica, Aluísio?
—É. Tipo algum método, uma maneira. Não
tenho medo da morte em si, mas da dor.
—Entendo, Aluísio. Angústia, às vezes, é
mais dolorosa do que a dor de um corte, de um osso quebrado.
—Mas já estou acostumado, doutor.
Angústia é minha companheira desde... Já faz tanto tempo, que parece que sempre
esteve aqui.
As sessões de terapia, àquela altura,
pareciam placebos. Talvez, Aluísio fosse dependente daquelas consultas, como se
não quisesse abandoná-las. Entre tantos conhecidos, o psicólogo era alguém com quem
ele poderia desabafar, mesmo que, para isso, tivesse que meter a mão no bolso e
se desfazer do que não tinha.
Aconteceu numa sexta-feira, dia de alívio
para tantos. Todavia, consternado com a própria inutilidade de continuar
respirando, Aluísio pareceu ter, finalmente, tomado coragem. Precisou apenas de
poucos minutos para imaginar-se despedaçado sobre o trilho do metrô ou, então,
esmagado por um ônibus para Planaltina.
Passos firmes, despojado de qualquer
arrependimento, Aluísio decidiu, de última hora, pular do viaduto da rodoviária
do Plano Piloto. Mais alguns metros, bastaria um impulso suficiente para erguer
o corpo carcomido, e tudo terminaria. Nem se deu ao trabalho de olhar para os
lados, como se encarasse, pela primeira vez na vida, a própria sina.
O velho colocou as mãos sobre a mureta e tentou erguer o corpo, quando, inesperadamente, o coração disparou e, em seguida, fibrilou. Ataque cardíaco que o fulminou ali mesmo, invisível à multidão que passava. Inútil que sempre fora, foi incapaz de dar cabo do próprio finamento.
- Nota de esclarecimento: O conto "A insignificância da vida" foi publicado por Notibras no dia 1º/6/2025.
- https://www.notibras.com/site/aluisio-velho-carcomido-morre-de-infarto-querendo-na-rodoviaria-do-plano/
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