domingo, 1 de junho de 2025

A insignificância da vida

        Aquelas eram noites de desabafo. No entanto, não com a inocência de que algo pudesse mudar. Eram meras tentativas de apaziguar o coração, despedaçado ao longo dos seus quase 70 anos. Não chegou a passar fome, é verdade, apesar do dinheiro cuidadosamente contado na maior parte da sua, senão desprezível, inexistência desnecessária.

          Aluísio conversava com a consciência refletida no espelho do banheiro, até que, não aguentando mais a própria fisionomia, apagava a luz e retornava para o quarto. Oito passos, não mais do que isso, o separavam da cozinha, onde ninguém o impediria de meter a mão na gaveta de talheres, pegar uma faca e acabar logo com aquilo. Coragem lhe faltava, pois até ela o abandonara ainda jovem, quando teve certeza da própria insignificância. Quem ligaria? 

           —Já tentou?

          —Não.

          —Nenhuma vez?

          —Não.

          —Hum.

          —Algo de errado nisso, doutor?

          —Errado, não, mas incomum, Aluísio.

          —Não fazia ideia. O senhor já?

          —Várias vezes, quase sempre antes de vir trabalhar.

          —Tem alguma técnica pra isso?

          —Técnica, Aluísio?

          —É. Tipo algum método, uma maneira. Não tenho medo da morte em si, mas da dor.

          —Entendo, Aluísio. Angústia, às vezes, é mais dolorosa do que a dor de um corte, de um osso quebrado.

          —Mas já estou acostumado, doutor. Angústia é minha companheira desde... Já faz tanto tempo, que parece que sempre esteve aqui.

          As sessões de terapia, àquela altura, pareciam placebos. Talvez, Aluísio fosse dependente daquelas consultas, como se não quisesse abandoná-las. Entre tantos conhecidos, o psicólogo era alguém com quem ele poderia desabafar, mesmo que, para isso, tivesse que meter a mão no bolso e se desfazer do que não tinha. 

          Aconteceu numa sexta-feira, dia de alívio para tantos. Todavia, consternado com a própria inutilidade de continuar respirando, Aluísio pareceu ter, finalmente, tomado coragem. Precisou apenas de poucos minutos para imaginar-se despedaçado sobre o trilho do metrô ou, então, esmagado por um ônibus para Planaltina. 

          Passos firmes, despojado de qualquer arrependimento, Aluísio decidiu, de última hora, pular do viaduto da rodoviária do Plano Piloto. Mais alguns metros, bastaria um impulso suficiente para erguer o corpo carcomido, e tudo terminaria. Nem se deu ao trabalho de olhar para os lados, como se encarasse, pela primeira vez na vida, a própria sina. 

       O velho colocou as mãos sobre a mureta e tentou erguer o corpo, quando, inesperadamente, o coração disparou e, em seguida, fibrilou. Ataque cardíaco que o fulminou ali mesmo, invisível à multidão que passava. Inútil que sempre fora, foi incapaz de dar cabo do próprio finamento.

  • Nota de esclarecimento: O conto "A insignificância da vida" foi publicado por Notibras no dia 1º/6/2025.
  • https://www.notibras.com/site/aluisio-velho-carcomido-morre-de-infarto-querendo-na-rodoviaria-do-plano/

Nenhum comentário:

Postar um comentário