Se essa história é verdadeira ou não, há dúvida que, ora pende
para um lado, ora para outro. No entanto, mesmo que não tenha ocorrido
exatamente assim, vale a pena ser contatada, mesmo que sirva apenas para causar
espanto aos ouvintes. Dizem que aconteceu em uma delegacia lá pelos lados
de Sobradinho ou Planaltina, se bem que, não raro, há quem afirme
categoricamente que o fato se deu na Ceilândia. Detalhes que, para ser sincero,
não interferem no causo, mas, sim, o tornam ainda mais instigante.
Delegado Romão era rígido quanto à
hierarquia. Tratava escrivães e agentes como meros subalternos e, por
conseguinte, ai daquele que ousasse fazer algo que a autoridade dscordasse.
Era, no mínimo, aquela bronca, sem falar nas costumeiras advertências,
suspensões e remoções para outras delegacias bem distantes, de preferência para
Brazlândia ou Gama. Dessa forma, o clima no ambiente de trabalho era
tenso.
Ali também trabalhava, no plantão, o agente
Savarino, que estava perto de se aposentar. Tipo quase mudo, não falava além do
necessário, tanto é que alguns colegas não se lembravam da última vez que
haviam escutado a voz do sisudo. E, por conta dessa característica, eram raros
o que se atreviam a lhe dirigir até um mero 'Bom dia!' ou 'Boa tarde!', quiçá
um 'Boa noite, colega!', ainda mais porque era capaz do sujeito lhe lançar um
olhar de 'Tá falando comigo, desgraçado?' Melhor, então, era manter
distância.
Pois lá estava o caladão no balcão da delegacia, testa franzida,
olhar gélido, xícara de café fumegante ao lado, quando surgiu o Romão. Pela
cara do delegado, era possível notar que ele estava furioso com algo. Os outros
agentes, temendo que fossem levar bronca, se encolheram que nem menino quando a
mãe, segurando um chinelo, levanta a mão.
Sem papas na língua, a autoridade esbravejou contra Romão, que
a tudo ouviu como de costume: calado. Talvez para não deixar o colega sozinho,
todos os outros agentes e o escrivão também se mantiveram mudos. Em seguida, o
delegado retornou para a sua sala, mas, não tardou, Savarino se levantou e o
seguiu. Mal entrou na sala, lançou aquele olhar de onça-pintada diante de uma
solitária capivara.
— Olha aqui, seu delegado vagabundo,
ordinário, inútil, cretino, mentecapto, se você dirigir essa sua boca fedorenta
mais uma vez para mim, eu te dou um tiro na cara.
Feitas as devidas observações, Savarino
retornou tranquilamente para o balcão, onde começou a atender uma senhora que
foi registrar ocorrência. Nisso, ainda deveras abalado, lá foi o Romão contar o
ocorrido para o delegado-chefe. Este, por sua vez, não teve dúvida e, então,
mandou chamar o Savarino para esclarecer os fatos. E é óbvio que o agente negou
tudo.
— Eeeeeu? Doutor, o senhor me conhece. Nunca seria capaz de fazer uma
coisa dessas.
— Ele fez, sim! Ele me ameaçou e me xingou!
— Calma, Romão, deixe o Savarino falar.
— Mas ele disse que vai me matar.
— Você disse isso, Savarino?
— Doutor, o senhor sabe muito bem que eu seria
incapaz de falar um absurdo desses. Sempre respeitei a hierarquia. E, afinal,
sem ela, o que seria da nossa polícia, não é verdade?
Sem testemunhas do ocorrido, a coisa ficou por aquilo mesmo. Quer dizer,
o delegado Romão acabou pedindo para ser transferido para outra delegacia e,
dizem, nunca mais buscou intrigas com os outros policiais. Dizem até que os
trata com a maior consideração.
- Nota de esclarecimento: O conto "Desavença da delegacia" foi publicado por Notibras no dia 7/6/2025.
- https://www.notibras.com/site/desavenca-em-delegacia-faz-de-romao-delegado-machao-virar-gato-de-pelucia/
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