Como eu trabalhava longe de casa, costumava pegar ônibus. No
entanto, nem me lembro do motivo, resolvi tirar o Tufão da garagem. E lá fui
eu, janela aberta, sem pressa de chegar, apreciando a vista, quando, logo
adiante, percebi uma multidão.
Não chego a ser vidente, mas, não raro, minha intuição não
falha. Senti um frio na espinha e, então, tive certeza de que se tratava de um
acidente. E não é que estava certa? Bastou o Tufão vencer algumas centenas de
metros para que fosse possível ver o estrago: um Corcel amarelo havia derrubado
um poste.
Não tive dúvida. Parei o Tufão, mas o deixei ligado. Um rapaz
me disse que o motorista, em estado gravíssimo, fora socorrido por um homem em
um Opala laranja. Já a passageira, que parecia ser a esposa, continuava deitada
no asfalto. Ela estava inconsciente.
Assim que me aproximei para tomar ciência da situação, nova onda
de calafrio percorreu meu corpo. Foi o empurrão que a razão me deu para tomar a
vítima no colo e colocá-la no banco de trás do Tufão. Sempre fui pequena, mas
tenho os braços fortes, talhados de tanto que carregava a minha sogra para lhe
dar banho, e olha que a velha era muito maior do que a acidentada.
Como precisava acudir a vítima, gritei para os curiosos, que
pareciam inertes diante do caos:
— Alguém sabe dirigir?
Um sujeito apareceu e logo se acomodou no
banco do motorista. Arrancou para o hospital, enquanto eu tentava reanimar a
mulher em meus braços. Foi questão de minutos que chegamos e, para chamar a
atenção dos profissionais de saúde, usei todo o ar nos meus pulmões:
— Tragam uma maca! Tragam uma maca!
Assim que tirei a mulher do banco de trás do Tufão, eis que ela
deu um longo suspiro. O último. O médico, que estava logo atrás de mim, me
conhecia dos tempos em que ainda trabalhava como enfermeira. Ele tocou meu
ombro e, então, me disse:
— Ainda bem que você desistiu da enfermagem, Maria Clara. A
gente chora a perda de alguém todos os dias.
Aquela mulher não tinha sido o primeiro ser humano que vi perecer. Entretanto, apesar de já terem se passado quase 30 anos, o som daquele suspiro ainda hoje me atormenta.
- Nota de esclarecimento: O conto "O dia em que fui trabalhar de Fusca" foi publicado por Notibras no dia 9/6/2025.
- https://www.notibras.com/site/o-dia-em-que-fui-trabalhar-com-o-meu-fusca-e-dei-de-cara-com-um-acidente-grave/
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