Vantuir, casado com Araci, era descaradamente amante da prima,
Noêmia, que vivia em comunhão com Amâncio, cujo comércio o impedia de dar a
atenção necessária à companheira. Aliás, quanto a esse ponto, há controvérsias,
pois, dizem certas línguas ferinas, a mulher do comerciante seria capaz de
acender a lareira com um breve estalo de dedos.
Para colocar ainda mais lenha na fogueira,
todos residiam no mesmo prédio em Taguatinga, no Distrito Federal.
Vantuir e Araci, no apartamento 301; Noêmia e Amâncio, no 101. Sem contar a
dona Gertrudes, viúva do 201, que, quando requisitada, acobertava seus
sobrinhos adúlteros. Todavia, a velha não fazia isso apenas por vínculos
familiares.
Apaixonada por quindim e queijadinha, dona
Gertrudes, na falta de um desses quitutes, não fazia doce e aceitava de bom
grado um belo brigadeiro, ainda mais os que chegavam generosamente carregados
de granulado. Ela recebia o mimo, enquanto os amantes se dirigiam para o
quartinho dos fundos, onde confabulavam até que a parenta fosse lhes comunicar
sobre a chegada dos respectivos cônjuges.
Não foram poucas as vezes que a idosa
precisou passar as calças de tergal do sobrinho ou, então, limpar a mancha de
batom da gola da camisa social. Desquite na família era algo impensável
naqueles idos, e dona Gertrudes não queria que Noêmia ficasse falada. E a
matriarca bem sabia que até os respingos da separação atingiriam a honra de
Araci, por quem tinha sincera consideração. Quanto ao Amâncio, o escândalo
poderia levar o comércio do gajo à falência.
Salva a família, dona Gertrudes seguia
ilibada, até que, por uma dessas falhas de consciência, eis que o coração,
talvez descompensado pelo excesso de açúcar, resolveu entregar os pontos. Nem
deu tempo de os amados sobrinhos, que haviam concluído o ato, socorrerem a
cúmplice.
O velório ocorreu na manhã seguinte,
quando até as nuvens cinzentas acompanharam o choro dos presentes. E, entre os
mais combalidos, estavam Vantuir e Araci, inconformados com a repentina
desencarnação da tia. Os dois, cada um de um lado do caixão, seguravam as mãos
da defunta, cujos lábios, a partir daquele momento, estariam mais fechados do
que nunca.
Os pares traídos perceberam o desespero dos cônjuges e, assim que
o enterro foi concluído, foram consolá-los. Araci, voz embargada, tomou a
iniciativa.
— Não sabia que vocês eram tão ligados à dona
Gertrudes. Quer dizer, ela era tia de vocês, uma pessoa maravilhosa, mas não
fazia ideia de como vocês a amavam.
— Titia era uma santa,
Araci. Uma santa! Você não imagina como ela rezava pra que tudo ficasse bem não
apenas no meu casamento com o Amâncio, mas no seu com o Vantuir, meu primo tão
querido.
- Nota de esclarecimento: O conto "Dona Gertrudes, a cúmplice" foi publicado por Notibras no dia 4/6/2025.
- https://www.notibras.com/site/dona-gertrudes-cumplice-silenciosa-das-traicoes-conjugais-dos-sobrinhos/
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