terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Madrinha Chiquinha não deixou saudade

           

            Francisca Paiva, a quem todos conheciam por madrinha Chiquinha, era minha avó paterna. Minha parenta estava longe de ser o que muita gente fala sobre avós. Não mesmo! É que a velha era osso duro de roer, sem contar que parecia ter implicância comigo, justamente a neta mais nova. 

          Certa feita, lá pelos meus oito anos, quando ainda morávamos na área rural de Caxias, Maranhão, estava eu brincando próximo ao galinheiro. Madrinha Chiquinha, que estava deitada na rede ao lado da churrasqueira improvisada, me gritou.

          — Martinha, corre aqui!

          O som daquela voz estridente soou dolorido nos meus ouvidos, pois sabia que de duas uma: ou vinha reprimenda ou, pior, taca. 

          — Que é, madrinha Chiquinha?

          — Que é? E isso é modo de falar com sua avó?

          Faltou-me palavras diante daquela bronca.

          — Vai ficar aí muda e calada, menina?

          — Não, senhora.

          — Pois vá pegar a carne que tá no fogo!

          Com cuidado para não deixar cair, peguei a carne e a entreguei para vovó, que, cheia de maldade nos olhos, fez cara de quem iria degustar a maior iguaria do mundo.

          — Hum! Adoro essa gordurinha esturricando. 

          Tola que era, pensei que iria receber ao menos um naco. Que nada! A velha devorou tudo com gosto. Nem fiapo sobrou para mim. 

          — Que você tá olhando, menina?

          — Nada, madrinha Chiquinha.

          — Então, arreda daqui antes que eu lhe dê no lombo.

          Madrinha Chiquinha, como todo vaso ruim, foi difícil de quebrar. Morreu aos 105 anos, tempo suficiente para que eu me tornasse quase uma velha. Velha em idade, mas com os mesmos olhos assustados daquela menina de oito anos. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Madrinha Chiquinha não deixou saudade" foi publicado por Notibras no dia 31/12/2024.
  • https://www.notibras.com/site/madrinha-chiquinha-morre-aos-105-anos-sem-deixar-saudades/

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