sábado, 21 de dezembro de 2024

Lembranças e reparações

              

            Seria apenas mais um almoço em família, caso não fosse pelo imbróglio envolvendo os dois irmãos, que já haviam ultrapassado a barreira dos 40 anos. Pedro, o mais velho, contava para os sobrinhos sobre seu tempo de criança, enquanto Paulo enchia o prato pela segunda vez com a macarronada. No entanto, o homem não deixou de ouvir a voz do irmão, ainda mais quando o assunto também o envolvia. 

               — Seu pai, eu e nosso pai adorávamos viajar para Cabo Frio, onde acampávamos bem em frente ao mar.

               — Puxa, tio, que legal!

               — E era mesmo, Juninho. Ainda mais porque amávamos ir pescar nas pedras com o papai.

              Paulo, ao ouvi aquelas palavras saídas dos lábios do irmão, não resistiu e entrou na conversa.

              — Não acredite em tudo que seu tio diz, crianças.

              — Por quê, papai?

              — Quem gostava de pescar era o meu pai e seu tio.

              Pedro pareceu surpreso com a revelação. Tanto é que tratou logo de contestar a fala do irmão.

              — Paulo, que história é essa? Você nunca me disse que não gostava de pescaria.

              — Não é que eu não gostasse. Na verdade, eu sempre odiei!

              — Ué, e por que você ia com a gente, então?

              — E tinha outro jeito? 

              — Ué, era só falar.

              — Mas eu falava. O problema é que você e o papai nunca me escutavam.

              — Não me lembro disso.

              — Não?

              — Não!

              — Pois eu queria brincar na praia.

              — Ah, mas a gente brincava na praia.

               — Sim, mas depois de passar a manhã inteira naquelas pedras. Ainda me lembro de você e o papai se divertindo entre um e outro peixe fisgado, enquanto eu não tirava o olho da praia. 

              Quase um mês após aquele almoço, Pedro telefonou para o irmão. Ele disse que havia reservado uma casa em frente à praia do Peró. Seria não apenas momento de relembrar o passado tão longínquo, como também de reparações.

              Os irmãos pegaram o avião em Brasília e desceram no Rio. De lá, alugaram um carro e rumaram para Cabo Frio. Chegaram ao destino quando já era madrugada. Cansados pela viagem, adormeceram logo após desfazerem as malas. 

              Acordaram bem cedo e, animados, correram que nem meninos para a praia. Deram mergulhos, jogaram água um no outro, gargalharam o que há muito estava represado no peito. Ficaram por ali até que a fome bateu. 

               Almoçaram moqueca de camarão e beberam suco de abacaxi. O dia foi repleto de lembranças. Pedro, no entanto, percebeu que o caçula continuava com o olhar perdido.

              — O que foi? Não tá gostando?

              — Tô.

              — E que cara é essa?

              — Saudade do papai.

              — Também sinto falta dele.

              O domingo amanheceu ensolarado, enquanto o odor da maresia inebriava o ambiente. Tudo perfeito para mais um dia na praia. 

              — E aí, Paulo, já tá pronto?

              — Sim.

              — Então, vamos, que à tardezinha temos que retornar.

              — Que tal pescar lá nas pedras?

              Pedro, surpreso, olhou para o irmão. Os dois sorriram e, caniços e iscas nas mãos, caminharam até as pedras entre as praias do Peró e das Conchas. Não pegaram muitos peixes. Todavia, fisgaram inúmeras lembranças. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Lembranças e reparações" foi publicado por Notibras no dia 21/12/2024.
  • https://www.notibras.com/site/do-almoco-em-familia-no-lago-sul-a-um-banho-de-mar-e-pescaria-em-cabo-frio/

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