domingo, 22 de dezembro de 2024

Afeita a azucrinar

   

        Família grande é aquela coisa, amores e ódios nas alturas, festa para todos os gostos, imbróglios a cada esquina. E tem hora que junta tudo isso, como aconteceu no churrasco para assistir à final da Libertadores entre o Atlético Mineiro e o Botafogo. Pela televisão, é óbvio, mesmo porque a maior parte da galera é dura, enquanto a outra precisa vender o almoço para garantir a janta. 

      Júnior, primo de Aurora, conseguiu descolar um sítio de um amigo do trabalho. Local requintado, ainda mais para aquele povo tão acostumado a passar perrengue. O tal colega do Júnior, aliás, nem era o dono, mas conhecido do caseiro, que disse que ninguém sabia do empréstimo. Tal favor possuía apenas duas condicionantes: que a bagunça fosse arrumada após a comemoração e, principalmente, isso não caísse nos ouvidos do proprietário do local.

        Para arrecadar dinheiro para o churrasco, Júnior estipulou o valor de cinquenta reais por cabeça. Tia Brotinho, tinhosa como ela só, subiu nas tamancas.

            — Júnior, por acaso você quer ficar rico à custa da família?

            — Mas, tia, vai ter carne e bebida da boa.

            — E por acaso eu sou de encher a cara?

            — Tá bom, tia. A senhora pode pagar quarenta.

            — Quarenta?

            — É, tia.

            — Hum... Tô de dieta!

            — Trinta e cinco tá bom pra senhora?

            — Trinta me soa melhor.

         Para apaziguar a situação, Júnior tratou logo de dar o desconto para a velha, cujos bofes andavam virados desde que pegou o marido com Sandrinha, afamada por sair com homens casados. 

            — Tia, tô alugando um ônibus pra levar a galera.

            — Hum...

            — A senhora tem assento na janela bem na frente.

            — Hum...

            — Vinte por cabeça.

            — Hum...

            — Quinze pra senhora.

            — Hum...

            — Doze?

            — Hum...

            — Tô brincando, tia. Pra senhora é oito.

            — Tem troco pra cem?

        A patuscada foi aquele sucesso. Rolou de tudo ao som de Beth Carvalho e Zeca Pagodinho, dois notórios botafoguenses. Se houve confusão? Algumas, mas nada além das costumeiras intrigas.

Quanto à tia Brotinho, parece que perdeu por completo as estribeiras. Além de cair com gula na comida, tomou todas e mais algumas. Desacordada, precisou ser carregada pelos parentes. E, se ainda não bastasse, vomitou durante o trajeto de volta. A sorte é que a velha, estrategicamente posicionada, conseguiu abrir a janela a tempo. 

Mas não pense que a barafunda acabou por aí. É que tia Brotinho, inconformada com o sacolejo do ônibus, ainda provocou pendenga com o condutor.

— Ô, motorista! O pagode ficou lá no sítio.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Afeita a azucrinar" foi publicado por Notibras no dia 22/12/2024.
  • https://www.notibras.com/site/jogo-que-fez-do-fogao-campeao-teve-de-tudo-ate-pagode-de-suspensao/

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