Tudo preparado para assistir
ao Cruzeiro entrar em campo contra o arquirrival, cujo nome o gajo se recusava
a mencionar, ainda mais em dia de jogo. Dava azar, como aprendera com a saudosa
mãe, que ainda hoje é lembrada como a mais notória torcedora da Raposa pelos
lados de Sobradinho, aprazível cidade do Distrito Federal.
Valentina, a caçula, aproveitou
que a mãe e a irmã haviam saído e resolveu colocar a leitura em dia. Fechou a
porta do quarto e se lançou nas páginas de "Quincas Borba", de um
certo Joaquim Maria. Logo de cara, foi fisgada pela trama e nem percebeu quando
o pai aumentou o som da televisão.
Enquanto Ricky sofria a cada
ataque do escrete adversário, Valentina se sentia ainda mais envolvida com a
saga do professor Rubião. Todavia, os dois não eram os únicos membros da família
por ali, já que Augustus e Maximus, os lindos golden retrievers, estavam no
quintal correndo de um lado para o outro. Tudo perfeito, caso não fosse
por um detalhe: de repente, os cães começaram a latir insistentemente, o que
despertou a garota do transe.
Quase na mesma hora, Valentina colocou
o livro ao lado e foi ver o porquê de os parentes caninos estarem latindo. Não
teve nem tempo de dizer palavra. Gritou!
— Pai! Pai! Pai!
Ricky quase derramou a
cerveja e foi correndo ver o motivo dos berros da filha. Ainda com a boca cheia
de batatinhas, o homem quis saber a razão daquele desespero todo.
— Abelha, pai! Abelha!
O sujeito olhou para o lado e, através
da janela de vidro, tomou ciência da dramática situação. Centenas de abelhas
estavam digladiando com Augustus e Maximus. Valentina, impulsiva que era,
quis abrir a janela e pular para o quintal para salvar os cachorros, mas foi
impedida pelo pai.
— Calma, minha
filha! Você não pode ir lá fora!
— Pai, a gente
precisa salvar os cachorros!
Ricky, de tão apavorado,
ficou sem reação. Pra quê? Foi a deixa para Valentina abrir e pular a janela.
Quando se deu conta da situação, o homem precisou enfrentar seus fantasmas e
tratou de também pular a janela para ir ajudar a salvar não apenas os cães,
como também sua garotinha.
Corre daqui, grita
de lá, abana para todo lado, eis que, finalmente, os quatro conseguiram entrar
na casa e fechar a janela a tempo das abelhas não invadirem o ambiente. Por
milagre, nem os cães nem a menina foram picados. No entanto, Ricky não teve a
mesma sorte. Tomou uma ferroada na orelha e mais uma no pescoço.
O grandalhão, apesar da dor, procurou não demonstrar seus sentimentos.
Afinal, não ficava bem chorar na frente da verdadeira heroína da família. Sem
contar que, ao se virar para a televisão, constatou que o jogo havia terminado,
e o Cruzeiro deu aquela sapecada no arquirrival. Não resistiu e
extravasou:
— Zeiro!
- Nota de esclarecimento: O conto "Um domingo quase tranquilo" foi publicado por Notibras no dia 27/12/2024.
- https://www.notibras.com/site/um-domingo-quase-tranquilo-nao-fossem-as-ferroadas-das-abelhas/
Nenhum comentário:
Postar um comentário