Mando
para ele o arquivo editável, porque um leitor sempre percebe falhas que o
escritor acaba deixando para trás. E o leitor Eduardo Martínez, sendo também um
escritor, é altamente qualificado para sugerir, ponderar, corrigir. Hoje não
foi diferente. E ainda faço uma explicação adicional:
— Edu,
o conto de hoje eu sonhei.
— Como
assim, Dan?
— Pois
é, sonhei. Acordei às vinte para as seis da manhã deste domingo. Dei uma andada
pela casa. Como até os bichos ainda estavam dormindo, voltei para a cama após
beber água. E, tendo cochilado até umas nove da manhã, eu sonhei com a história
inteira, Edu! Eu era observador das cenas, mas não onisciente. Ia descobrindo o
desenrolar das coisas conforme elas iam acontecendo.
— Que
fantástico! Vou ler agora mesmo e já te retorno.
Enquanto
passava o tempo e aguardava o parecer do Edu, aproveitei para ler a estreia do Cassiano
Condé com sua coluna “O Lado B da Literatura” em nosso Café Literário,
revelando histórias marotas, que não chegam a ser indiscrições do nosso chefe.
Dali a
pouco o telefone dá sinal de mensagem. Era o Eduardo Martínez, com uma
reprimenda, de leve.
— Dan,
fiquei irritado com seu conto sonhado!
— Uai,
por quê?
—
Ficou excelente, mas deu uma sensação de ‘quero mais’. Por que você não o
desenvolveu? Por acaso está com preguiça?
Expliquei
a meu amigo e primeiro leitor que não se tratou de preguiça. Ao menos, não
desta vez. É que escrevi o conto no calor do momento. O sonho foi muito mais
complexo e detalhado, com passagens que eu até omiti, por conveniência, e talvez
por não fazerem sentido e haverem funcionado somente no ambiente onírico do
matinal cochilo. No sonho, por exemplo, o besouro, que subia pela parede do bar
do personagem principal, era de vidro e um dos fregueses queria quebrá-lo
atirando um sapato. Sentia que, à medida em que ia colocando no papel, a
sensação do sonho, tão nítida e presente, ia me abandonando aos poucos e, se
não corresse, não aproveitaria mais nada. Especialmente no tocante aos versos
das músicas que foram cantadas, as quais ouvi se desenvolverem mais longas
dormindo.
Edu me
falou que desejava algo mais elaborado nesse conto, pois ele costuma dizer que
escreve com displicência, é um ‘artista das ruas’, enquanto eu sou ‘artista de
ateliê’, e que viu potencial na história.
Não
posso, de forma alguma, concordar com tal afirmação, pois nada há de
displicente na escrita de Eduardo Martínez. Um sujeito capaz de conceber um
conto tal qual ‘A Carta e a Urna’, presente em seu livro ’57 contos e crônicas
por um autor muito velho’ (Joanim Editora, 2024)! A história é uma verdadeira
peça de arte e, como outros contos do livro, sempre imaginei se tornando filme
– atentai para isto, roteiristas e cineastas do Brasil! E diga-se, sobretudo,
que este craque escreve e publica diariamente.
Assim,
entreguei o conto para Notibras e ao público leitor da maneira como me ocorreu.
Na velocidade em que ‘testemunhei’ a história: a vestimenta escura da mãe de
Lázaro, as garrafas atrás do balcão, a nota de duzentos nas mãos do primeiro
freguês que aparece, o vestido das meninas cantoras, o ambiente simples e
suburbano, bem carioca. Contudo, evitei dar descrições aprofundadas para que
cada um imagine seu próprio Lázaro, seu próprio botequim, o seu próprio rosto
cinzento de menina enfermiça e o grupo alegre cantando ao som do violão, a mãe
do dono do estabelecimento colocando as mãos para o céu, como em súplica.
Sobretudo, para que imaginem, como queiram, o rosto de tristeza da pobre
Sônia...
A
única coisa que faltava era o título. Só depois de bem desperto, de haver
escrito o texto inteiro e até de encomendar a imagem ilustrativa ao nosso
artista Francisco Filipino – que carrega a prebenda de ser meu filho – é que
veio, em arremate, o nome do conto. Assim nasceu “O Botequim da Saudade”, com o
qual, somado a esta cronicazinha, deixo um fraterno abraço a todos os leitores
que me acompanharam durante 2024 nas páginas de Notibras, bem como a todos os
meus companheiros de redação nessa doce e vibrante jornada pela literatura.
Feliz
2025, com muito sucesso!
- Daniel Marchi é autor de A Verdade nos Seres, livro de poemas que pode ser adquirido diretamente através do e-mail danielmarchiadv@gmail.com
- A crônica "O conto sonhado do fim de ano", do poeta e escritor Daniel Marchi, foi publicada por Notibras no dia 31/12/2024.
- https://www.notibras.com/site/contista-dos-sonhos-entrega-obra-para-que-leitor-de-cores-a-historia-contada/
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