quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

O conto sonhado do fim de ano (Crônica do poeta e escritor Daniel Marchi)

Entreguei meu último texto inédito de 2024. O filtro final, do que vai ou não ser publicado, é do chefe, o nosso José Seabra. Mas, como sempre acontece, é o Eduardo Martínez que faz a primeira leitura – e a primeira crítica – de tudo que eu trago para Notibras.

Mando para ele o arquivo editável, porque um leitor sempre percebe falhas que o escritor acaba deixando para trás. E o leitor Eduardo Martínez, sendo também um escritor, é altamente qualificado para sugerir, ponderar, corrigir. Hoje não foi diferente. E ainda faço uma explicação adicional:

— Edu, o conto de hoje eu sonhei.

— Como assim, Dan?

— Pois é, sonhei. Acordei às vinte para as seis da manhã deste domingo. Dei uma andada pela casa. Como até os bichos ainda estavam dormindo, voltei para a cama após beber água. E, tendo cochilado até umas nove da manhã, eu sonhei com a história inteira, Edu! Eu era observador das cenas, mas não onisciente. Ia descobrindo o desenrolar das coisas conforme elas iam acontecendo.

— Que fantástico! Vou ler agora mesmo e já te retorno.

Enquanto passava o tempo e aguardava o parecer do Edu, aproveitei para ler a estreia do Cassiano Condé com sua coluna “O Lado B da Literatura” em nosso Café Literário, revelando histórias marotas, que não chegam a ser indiscrições do nosso chefe.

Dali a pouco o telefone dá sinal de mensagem. Era o Eduardo Martínez, com uma reprimenda, de leve.

— Dan, fiquei irritado com seu conto sonhado!

— Uai, por quê?

— Ficou excelente, mas deu uma sensação de ‘quero mais’. Por que você não o desenvolveu? Por acaso está com preguiça?

Expliquei a meu amigo e primeiro leitor que não se tratou de preguiça. Ao menos, não desta vez. É que escrevi o conto no calor do momento. O sonho foi muito mais complexo e detalhado, com passagens que eu até omiti, por conveniência, e talvez por não fazerem sentido e haverem funcionado somente no ambiente onírico do matinal cochilo. No sonho, por exemplo, o besouro, que subia pela parede do bar do personagem principal, era de vidro e um dos fregueses queria quebrá-lo atirando um sapato. Sentia que, à medida em que ia colocando no papel, a sensação do sonho, tão nítida e presente, ia me abandonando aos poucos e, se não corresse, não aproveitaria mais nada. Especialmente no tocante aos versos das músicas que foram cantadas, as quais ouvi se desenvolverem mais longas dormindo.

Edu me falou que desejava algo mais elaborado nesse conto, pois ele costuma dizer que escreve com displicência, é um ‘artista das ruas’, enquanto eu sou ‘artista de ateliê’, e que viu potencial na história.

Não posso, de forma alguma, concordar com tal afirmação, pois nada há de displicente na escrita de Eduardo Martínez. Um sujeito capaz de conceber um conto tal qual ‘A Carta e a Urna’, presente em seu livro ’57 contos e crônicas por um autor muito velho’ (Joanim Editora, 2024)! A história é uma verdadeira peça de arte e, como outros contos do livro, sempre imaginei se tornando filme – atentai para isto, roteiristas e cineastas do Brasil! E diga-se, sobretudo, que este craque escreve e publica diariamente.

Assim, entreguei o conto para Notibras e ao público leitor da maneira como me ocorreu. Na velocidade em que ‘testemunhei’ a história: a vestimenta escura da mãe de Lázaro, as garrafas atrás do balcão, a nota de duzentos nas mãos do primeiro freguês que aparece, o vestido das meninas cantoras, o ambiente simples e suburbano, bem carioca. Contudo, evitei dar descrições aprofundadas para que cada um imagine seu próprio Lázaro, seu próprio botequim, o seu próprio rosto cinzento de menina enfermiça e o grupo alegre cantando ao som do violão, a mãe do dono do estabelecimento colocando as mãos para o céu, como em súplica. Sobretudo, para que imaginem, como queiram, o rosto de tristeza da pobre Sônia...

A única coisa que faltava era o título. Só depois de bem desperto, de haver escrito o texto inteiro e até de encomendar a imagem ilustrativa ao nosso artista Francisco Filipino – que carrega a prebenda de ser meu filho – é que veio, em arremate, o nome do conto. Assim nasceu “O Botequim da Saudade”, com o qual, somado a esta cronicazinha, deixo um fraterno abraço a todos os leitores que me acompanharam durante 2024 nas páginas de Notibras, bem como a todos os meus companheiros de redação nessa doce e vibrante jornada pela literatura.

Feliz 2025, com muito sucesso!

  • Daniel Marchi é autor de A Verdade nos Seres, livro de poemas que pode ser adquirido diretamente através do e-mail danielmarchiadv@gmail.com
  • A crônica "O conto sonhado do fim de ano", do poeta e escritor Daniel Marchi, foi publicada por Notibras no dia 31/12/2024.
  • https://www.notibras.com/site/contista-dos-sonhos-entrega-obra-para-que-leitor-de-cores-a-historia-contada/

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