— Vovó, vinte quilômetros é muito?
          — Depende.
          — Do quê?
          — Se vai de carro, é perto; se é a pé, ih, é
longe demais.
          — E cem metros? 
          — Depende.
          — Se é de carro ou a pé?
          — Não.
          — Do quê, então?
          — De quão apertado você está pra sentar no
vaso.
          Errada, vovó não estava. No entanto, quero
contar outra passagem que tivemos juntos, quando precisei enfrentar o medo de
um garoto da escola. O cara era bem maior e tinha o dobro do meu peso. Ele
vivia tocando o terror em todos e, naquela época, jurou que iria amassar a
minha cara, caso eu não desse o meu lanche para ele. 
          Certo dia, minha avó me percebeu acabrunhado.
Tentei disfarçar, mas a velha era deveras perspicaz.
          — Não é nada, vovó. 
          — Hum! Tá vendo aquele pardal ali naquela
árvore, Toninho?
          — Sim.
          — Pois bem, vá lá contar essa lorota pro
passarinho. Talvez ele acredite em você. 
          Sem para ter para onde correr, acabei revelando
o motivo de eu estar alquebrado. Vovó me encarou e, não tardou, me lançou um
olhar cheio de brilho acompanhado daquele sorriso faceiro que só ela
possuía. 
        — Amanhã,
você vai dar o seu lanche pro valentão.
        — Mas,
vovó, assim vou ficar com fome.
        — Vai
nada! Coloque alguns biscoitos no bolso da calça. E pode acreditar, pois tudo
vai ficar bem.
        E lá fui
para a escola, ainda encucado com aquela situação. O que minha avó teria
planejado? Seja como for, aquilo me encheu de confiança. E, na hora do recreio,
não tardou, o brutamontes se aproximou e me mostrou os punhos fechados.
          — E aí, moleque, cadê o meu lanche?
      
  Sem pensar duas vezes, fiz como vovó havia me orientado. Abri a
lancheira e o glutão roubou o meu sanduíche de queijo na maior cara de pau. Em
seguida, virou-se de costas e saiu tranquilamente pelo pátio da escola. Foi a
oportunidade que tive para matar a fome buscando os biscoitos escondidos nos
bolsos. 
      
    O resto do dia foi
tranquilo. Tive prova de matemática e tirei a maior nota da sala. Não me lembrava
sequer do ocorrido no recreio quando o sinal tocou e fui andando para casa da
minha avó, que ficava a duas quadras do colégio. Mal cheguei, lá estava a mãe
da minha mãe terminando o almoço.
      
     — Toninho, quer me ajudar a colocar os talheres na mesa?
      
     A macarronada estava excelente! Aliás, até hoje sinto
saudade daquele molho que só a minha avó sabia fazer. Quando conto para meus
filhos como vovó era excelente cozinheira, todos lamentam não a ter
conhecido. 
      
     No dia seguinte, retornei para a escola, onde os
estudantes, em grupos, riam. Sem entender aquilo, fui até o Gustavo e o Pedro,
que eram meus melhores amigos naqueles tempos. 
         
  — Não tá sabendo o que houve, Toninho? - Pedro, com cara de surpreso,
perguntou.
      
     — Não.
      
     — Aquele cara da sétima série saiu da escola.
      
     — Ué, por quê, Gustavo?
      
     — Ontem, ele teve uma diarreia na sala. Ficou todo borrado.
O cheiro ficou tão horrível, que a professora precisou interromper a aula.
      
     Assim que ouvi meus amigos, o valentão, acompanhado dos
pais, saiu da sala da diretora e foi embora. Segundo soube depois, ele ficou
tão envergonhado pelo ocorrido, que pediu para ser transferido. Entretanto,
antes que pusesse ultrapassar o portão da escola pela derradeira vez, vários
estudantes gritaram:
— Cagão! Cagão! Cagão!
- Nota de esclarecimento: O conto "Vovó sabia das coisas" foi publicado por Notibras no dia 3/12/2024.
 - https://www.notibras.com/site/vovo-sabia-das-coisas-antes-mesmo-do-bullying-surgir/
 

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