terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Mais que coincidência, tradição!

 
         Roberto, Roberto Filho e Roberto Neto possuíam uma singularidade. Os três, por conta desses acasos improváveis, comemoravam aniversário no mesmo dia: 4 de abril. Obviamente que, por conta do primeiro ser pai do segundo, que, por conseguinte, era o genitor do terceiro, suas idades eram separadas por algumas somas de anos, mais precisamente de 28, sendo que hoje, neste exato momento, ostentam 93, 65 e 37.

           Apesar dessas coincidências, algo ainda mais forte unia aqueles homens, que ia muito além de parentescos ou possíveis mapas astrais. Sim, uma coisa que ninguém ousaria contestar, haja vista se tratar de tradição. Exatamente assim! Tradição de serem todos, do primeiro ao terceiro, passando pelo segundo, torcedores apaixonados do Colorado. Isso como se fosse possível não serem colorados e apaixonados, o maior dos pleonasmos quando o assunto é futebol. 

            A despeito desse amor pelo Internacional, cada um possuía um ídolo diferente, o que causava até certa discórdia. O mais velho dos três, o Robertão, cismava que ninguém teria sido tão bom quanto o Tesourinha. O velho afirmava, sem medo de ser ridicularizado, que o antigo craque fora melhor até que Garrincha. Isso mesmo! O Garrincha! E ai de quem discordasse! Sobrava cobras e lagartos para os mais novos.

            Quanto ao do meio, o Roberto, não restava dúvida de que o maioral havia sido mesmo o Falcão. Pois é, muito antes de se tornar o Rei de Roma, o craque fez história no Internacional. Roberto, empertigado ao máximo, erguia o braço direito e já tirava uma folha dobrada de sua carteira. Queria porque queria lê-la para quem desejasse ouvi-lo. Verdade seja dita, o homem nem precisava do lembrete, pois já sabia de cor e salteado todo aquele amontoado de palavras. 

            — O Falcão comandou aquele timaço do Inter, que ganhou tudo! Tudo! Só de campeonatos brasileiros foram três. Três! E o de 1979 foi invicto! Invicto!!! Gauchão nem se fala o tanto que foi. Aos montes! Capaz!

            Ao terceiro, o Robertinho, cabia-lhe ouvir o inflamado discurso do pai. Ele sabia que o Falcão havia sido um dos maiores jogadores da história do Colorado. Também concordava com o avô, apaixonado que era pelo Tesourinha. Uma lenda! Maior que o Garrincha, sim, senhor! Todavia, o melhor de todos era, sem sombra de dúvida, o Fernandão! Ah, com ele até o Pelé passaria maus bocados. Tanto é que fizeram uma estátua para ele. Justamente na entrada do Beira-Rio, que é para todo mundo passar pelo Fernandão e saudar o grande ídolo do Internacional. 

            Pois bem, aqueles três homens passaram pelo monumento em homenagem ao ídolo tragicamente morto e entraram no mais lindo estádio do Rio Grande do Sul. Caminharam até o local de costume, onde se sentaram para assistir a mais uma partida do escrete favorito. Sentiram-se em casa, a primeira casa. Isso mesmo! Pois o torcedor colorado já é colorado ainda no ventre da mãe.  

            Não tardou, lá estavam os jogadores, todos devidamente trajados com o manto vermelho e branco, pisando o gramado. Os atletas foram saudados com euforia pelo público, que, naquele dia, tomava conta de todas as cadeiras. No entanto, um deles, em especial, mereceu ser aplaudido com um entusiasmo fora do comum, inclusive pelos três Robertos: D'Alessandro.

            Final de jogo, a euforia ainda tomava conta de avô, pai e neto. Não era para menos, já que o craque argentino, de primeira, marcou um golaço do bico da área, sacramentando mais uma vitória do Inter. O trio pegou o caminho de volta, mas, quase chegando ao lar, doce lar, foi atraído por uma pequena multidão, que comemorava no Bar do Vavá, ali mesmo no bairro Menino Deus. 

            Não se sabe ao certo a hora em que os homens voltaram para as respectivas casas. Entretanto, todos retornaram, pois, no dia seguinte, uma segunda-feira, Roberto e Robertinho foram trabalhar. Quanto ao Robertão, com um sorriso nos lábios, havia preparado um café da manhã caprichado para a esposa, Sarah.

            A semana passou ligeira, até que chegou a tão esperada sexta-feira. Robertão telefonou para o filho e o neto a fim de intimá-los a comparecer ao churrasco em sua residência no dia seguinte. Gaúchos que são, aceitaram de bom grado a obrigação. 

            A churrascada estava animada, quando, então, Lisiane, esposa do Robertinho, anunciou que estava esperando bebê. Foi aquela alegria. Nem o enjoo da grávida, que correu para o banheiro a fim de não vomitar diante da parentada, foi motivo de preocupação. Não era marinheira de primeira viagem, estava ciente do protocolo. Mais um rebento na família. 

            Os dias se transformaram em semanas, que, somadas, viraram meses. E lá estavam Lisiane e o marido na enésima consulta com a obstetra. Dia de ecografia. Que empolgação para ver aquele ser que se formava. A médica passou o gel sobre a barriga da mulher e, em seguida, repousou o transdutor. Mexe daqui, mexe dali, a doutora parou de repente e sorriu.

            — Querem saber se é menina ou menino?

            — É Colorado!!! - o casal respondeu de pronto.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Mais que coincidência, tradição!" foi publicado por Notibras no dia 10/12/2024.
  • https://www.notibras.com/site/mais-que-coincidencia-tradicao-de-avo-para-neto/

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