Gosto de vir à
praça. Não para encontrar amigos ou possível romance. A minha turma, talvez por
tédio, resolveu se mudar para o cemitério do bairro ao lado. Quanto às
provocações do coração, confesso que cansei de lutar contra a minha natureza
solitária. No entanto, não chego a ser um ermitão, mesmo porque costumo trocar
algumas palavras com o Aloísio, dono da banca de jornal, sem falar que, não
raro, cumprimento o porteiro do meu prédio.
Os passarinhos. Pois são eles que me fazem acordar antes das seis
da manhã, preparar meu café e caminhar até aqui. Sento neste banco em frente a estas
árvores e observo o exibido bem-te-vi, que parece me encarar como se dizendo:
"Ei, homem velho, ninguém canta mais alto do que eu por estas
bandas!" Na certa, esse rapaz deve pensar que está diante de um
desperdício da natureza, já que sou muito maior do que ele, mas não emito nem
sequer um som que vale a pena ser ouvido.
Tem também aquele talentoso sabiá-laranjeira.
De tão bom cantor, o apelidei de Emílio Santiago. Nem sei se esse pássaro sabe
que tem o nome de uma das maiores vozes do Brasil, mas isso não importa.
Todavia, creio que o Emílio adoraria saber que tem um xará que faz sucesso por
aqui.
Há também beija-flores, sanhaços, além dos
inúmeros pardais. Entretanto, o que chama mais a minha atenção é o casal de
joão-de-barro, cuja moradia me faz lembrar da casa de sapê dos meus avós. Casa
humilde lá no interior. Sem energia elétrica, mas cheia de luz, sem falar dos
biscoitos e do bolo de fubá que vovó sabia fazer como ninguém.
A última vez que estive no sítio dos pais da minha mãe foi em 1974, pouco
depois do falecimento do vovô. Enquanto a família falava que ele morreria por
causa de tanto fumar, eis que foi um tombo que o levou. Tropeçou numa pedra de
Drummond e bateu com a testa na quina do cocho das vacas. O médico foi chamado
às pressas, mas não teve tempo de fazer nada além de assinar o atestado de
óbito.
Mamãe e minha tia, após vovó ficar viúva,
decidiram trazê-la para cidade. Ela resistiu por um tempo, mas acabou
percebendo que a idade chegava para todos. E, aos trancos e barrancos, alcançou
os três dígitos, coisa rara entre os nossos. Viveu até os inacreditáveis 107
anos.
Quando
meu avô morreu, ele estava com 87 anos, dois a menos do que estou hoje. Caso
não tropique em alguma pedra no caminho que ainda me resta, talvez eu chegue à
sua idade. Todavia, não tenho pretensão de esticar a vida que nem vovó.
- Nota de esclarecimento: O conto "Entre passarinhos e recordações" foi publicado por Notibras no dia 19/12/2024.
- https://www.notibras.com/site/entre-passarinhos-e-recordacoes-de-um-quase-ermitao-sentado-na-praca/
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