terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Quase inatingível

    

        Jurema, inatingível aos homens comuns, era dotada do poder de machucar quem ousasse transpor a barreira que a separava dos meros mortais. No entanto, não eram raros os que se atreviam nessa empreitada suicida, como aconteceu com Arnaldo, iludido por achar que o amor suplanta qualquer obstáculo.

           Ludibriado por ideias tolas, o homem não conseguia perceber que nem se a caçamba do seu caminhão tivesse o dobro do tamanho daria para carregar tanta areia. E, diante de tamanha falta de noção, eis que Arnaldo não perdeu tempo e partiu para o ataque na primeira oportunidade, que aconteceu em evento na residência de ilustre cidadão da capital do país. 

       A mulher, mal entrou no recinto, foi alvejada por saraivada de olhares de todas as direções, como se fossem flashes de máquinas fotográficas diante de toda aquela formosura. Boquiabertos, os presentes não paravam de comentar sobre a tal beldade. Quem seria? Amiga do anfitrião? Parenta? Não! O fenótipo afastava tal hipótese. Se bem que, como observou Júlio, professor de biologia em uma escola na Asa Sul, a genética pode surpreender.

       Leopoldo, o dono da festa, com sorriso mais largo do que a própria face, foi em direção à moçoila. Momento de expectativa, já que, dependendo do tipo de cumprimento, o mistério poderia ser desvendado. Que nada! Apenas um breve aperto de mãos acompanhado dos tradicionais dois beijinhos na face. 

         Não tardou, bocas miúdas fizeram companhia àqueles olhos enormes.

         — Você viu aquilo?

         — Pois é, amiga!

         — Será que são amantes?

          — O Leopoldo? Não creio.

          — Hum...

          — Pensando bem...

          — O quê?

          — Vá que...

         Alheio às fofocas, eis que o Armando, do alto do seu quase um metro e sessenta e dois, atrevido que era, foi até a dama que roubara toda atenção daquela gente. Impávido, o gajo estacou diante da mulher e esticou a mão.

            — Prazer, sou o Armando?

             A pantera observou o sujeito de cima a baixo antes de proferir palavra. 

             — Jurema.

            — Em que posso servi-la, Jurema?

            — Olha que coisa interessante.

            — Não entendi.

            — É que você é o primeiro garçom que vejo usando um terno tão caro.

           Arnaldo, surpreso com a piada, quase perdeu a pose. No entanto, em seguida, caiu na gargalhada. Isso, aliás, parece ter conquistado o respeito da mulher. Tanto é que os dois passaram a noite inteira conversando, o que instigou os invejosos de plantão, que não pararam de comentar.

           — Não sei o que aquela gata viu naquele tipo.

           — É verdade.

           — Hum... Aposto que aquilo tudo não passa de maquiagem.

           — É mesmo. 

           — Puxa! Mas foi se engraçar logo com o Armando?

  • Nota de esclarecimento: O conto "Quase inatingível" foi publicado por Notibras no dia 24/12/2024.
  • https://www.notibras.com/site/jurema-esbelta-vai-a-festa-no-lago-sul-e-provoca-futricas-entre-convidados/

Nenhum comentário:

Postar um comentário