Lembro-me de uma vez que, ainda menina,
mudei pela primeira vez de casa. Fomos para uma residência maior, quintal a
perder de vista, numa rua cheia de casas parecidas com a nossa. Por conta dessa
mudança, fui matriculada em outra escola, que ficava a duas quadras de onde
morávamos. Hoje, adulta que sou, percebo que a distância não era tanta, mas que
me parecia enorme para as pernas curtas dos meus então nove anos.
Todas aquelas novidades não me fizeram bem,
ainda mais porque aconteceram todas de uma vez. Sei que antes morávamos em um
apartamento minúsculo e, então, o nosso novo lar, além de muito maior, ainda
possuía um belo jardim, com algumas árvores frutíferas, onde passarinhos
apareciam diariamente. O problema é que eu já estava adaptada ao meu quarto,
conhecia cada taco do piso, inclusive dois ou três soltos.
Assim que o sinal tocou, desorientada que
estava, saí da sala e segui o fluxo até o portão do colégio. Mamãe, toda
sorridente, me abraçou e me deu um beijo no topo da cabeça.
— E aí, Sofia, me conta como
foi o seu primeiro dia? Fez quantos amiguinhos novos?
Não sei exatamente a cara que
fiz, mas deve ter sido algo que minha mãe não esperava.
— O que foi, minha filha?
Alguém brigou com você?
— Não.
— E por que você tá com essa
cara?
Por que eu estava com aquela
cara? Aquilo nem eu saberia responder, ainda mais naquela época. É verdade que
consegui fazer amizades na escola e até na rua onde morávamos. Levou algum
tempo, mas me adaptei do meu jeito. Mesmo assim, quase sempre, eu era a garota
quase muda, a que observava tudo ou, então, se perdia em pensamentos no
horizonte, mesmo que estivesse parada diante de um muro.
Chegou a adolescência, depois a faculdade,
onde conheci o José Carlos, que, anos depois, se tornou meu marido. Foi ele
que, já tendo lido sobre o assunto, começou a desconfiar desse meu modo
particular de ser. Pois é, o Zeca estava certo, como ficou provado com o
diagnóstico que recebi recentemente, perto de completar 45 anos. Sou autista.
- Nota de esclarecimento: O conto "Diagnóstico tardio" foi publicado por Notibras no dia 17/2/2025.
- https://www.notibras.com/site/da-asa-norte-a-planaltina-tempo-passando-e-enfim-a-descoberta-do-autismo/
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